terça-feira, 4 de setembro de 2007

A pequena notável

Helane Carine Aragão

Um metro e cinqüenta e um. Um metro e cinqüenta e um de altura e um sorriso metálico. Enquanto eu contava minhas peripécias juvenis, ela caia no riso. Segurava um caderno, desses estilo universitário, apoiado no colo do busto, preenchendo as linhas a lápis com informações a meu respeito um tanto desnecessárias. Um monte de bobagens. Confesso: eu estava me deliciando com aquela aula de redação. Cheguei um tanto atrasada, carregando um belo pedaço de torta de chocolate e sentei-me ao lado de Aline, a pequena notável. Talvez ela não seja notável para muitos, mas para mim é. A conheci em sua própria festa de formatura. Ela estava de rosa, como todas as outras formandas, nossas amigas em comum. Relações públicas da Unifacs, faculdade classificada até então como faculdade para filhinhos de papai. Não concordo muito com esta classificação. Pelo menos as minhas amigas nada tinham de filhinhas de papai. A festa aconteceu no dia 5 de março de 2005. Lembro de ter visto Aline Veiga Moita com um metro e cinqüenta e um de altura de relance. 31 de julho de 2006, um ano e meio depois, no primeiro dia de aula do curso de jornalismo da Faculdade Social da Bahia, com o mesmo professor, hoje de redação, Aline se apresentava. Havia resolvido fazer jornalismo para abrir portas fechadas pelo curso de RP. Enquanto a baixinha falava, eu buscava no meu banco de memória de onde a conhecia. Primeiro dia de aula é sempre uma grande excitação. Professores novos, colegas novos, tudo novo. O prédio de aulas ficava numa rua deserta. Ficava não, ainda fica. Por ironia, um ano e meio depois, o mesmo prédio. A mesma rua deserta de carros estacionados e folhas secas caídas pelo chão. O mesmo deserto que levou a turma a reivindicar troca de prédio, argumentando falta de segurança. O prédio tem dois andares e uma cantina simplória. Pouca coisa mudou. Continua o mesmo prédio sem vida. Sem energia, edificação insossa, sem a excitação daquele primeiro dia de aula. Abordei a baixinha na porta da sala ao final da aula. “Eu te conheço de algum lugar”. Ela me olhou desconfiada. Insisti. “Conte-me sobre sua vida”. Ela riu. Não desisti, afinal era meu primeiro dia como estudante de jornalismo, também. “Onde você estudou?”, ela respondeu: “Na Unifacs”. Antes que ela fugisse, ataquei: “Você fez RP, não foi? Eu me lembro de você. Você foi colega de Natália Oliveira, Tatiana Leão, Gustavo...”, ela sorriu novamente, desta vez relaxada, enquanto revidava ao meu ataque: “Eu me lembro de você também. Você era a maluca de vestido preto e gravata. Só aparece você nas filmagens da minha formatura, pulando que nem uma doida em cima do palco. E você nem era formanda!”. Ela não está mais de rosa, nem maquiada comemorando a conclusão do curso. Nós nos tornamos amigas. Descobri com a convivência que a baixinha é religiosa. Faz parte de um grupo de jovens da Igreja Católica e vai a reuniões semanais com o grupo que recebe o nome de Escalada. Ela tem um quê que mistura maturidade e inocência. Algo que a faz mulher-menina e menina-mulher. Lembro de um dia que ela me deu uma carona. O Pálio prata parecia uma penteadeira de adolescente. No vidro em frente ao banco do carona, uma camiseta pequena, afixada no vidro, carregava o nome da nova profissão: Jornalismo.

Agora, a baixinha está sentada na minha frente, numa sala abarrotada de alunos, disputando uma vaga no computador para executar o exercício recomendado pelo professor. O cabelo está maior. Cresceu bastante em um ano e meio. O cabelo liso, castanho, penteado de lado, deixando à mostra a mecha de cabelos grisalhos que possui. Um charme só, apesar de que, ela tenta escondê-la. Num momento de revelações, assumi que arrancava os meus a pinça. Um a um. Os olhos, também castanhos, são redondos, de um brilho bonito, quase envernizados. Bolas de gude amarronzadas. Usa brincos prateados de aros espessos combinando com a pulseirinha, também prateada, que acompanha o relógio, prateado, no braço esquerdo. Aline deve gostar muito de prateado, pois a sandália de dedo que trazia em composição com a bermudinha de linho cinza e uma camiseta de malha com a Mafalda estampada na frente com uma plaquinha escrito “Basta!”, também era prateada. O clima descontraído da conversa foi suspenso quando perguntei sobre onde ela estava trabalhando. De forma séria, ela excitou, senti que ela se retraiu um pouco. Ela respondeu que tinha saído. No dia que ela anunciou seu novo trabalho, vestia uma blusa verde e calça jeans. Preso ao cabelo, uma rosa em crochê vermelho. “Uma presilha”, segundo ela. O sapato combinava com o vermelho sangue da flor artesanal. Ela jura que o sapato não era vermelho, apesar de não lembrar como era a roupa. Mas eu me lembro de tudo. Minha memória é incrível. Ora, agora Aline não trabalha mais no Habibs. Pedro, nosso colega, sentado na fileira atrás da nossa, junto a Andrea que digitava freneticamente alguma coisa sobre a vida de Pedro, lamentou. Não iria mais receber os lanchinhos que Aline prometera da empresa de alimentos. Então, ela falou que “foi bom, até, não estar trabalhando. Meu pai operou o joelho e alguém precisava acompanhá-lo”. Mas Aline precisava de informações. Informações a meu respeito para produzir um texto que me descrevesse. Contei umas bobagens só para vê-la sorrindo. Sorrir e me chamar de “doida sem juízo”. Aquela pequena. Para mim, notável. Um metro e cinqüenta e um de altura. Um metro e cinqüenta e um de altura e um sorriso metálico. Prateado.

2 comentários:

Márcia Barreto disse...

Muito bacana mesmo e concordo que Aline Moita é muito gente boa apesar do pouco contato que temos. Ela é realmente especial.

Leandro Colling disse...

Delícia de texto, acho que vc vai se encontrar muito em JL. Tem descrição, embora ela demore a chegar.