sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Sexta-feira

Helane Carine Aragão.

Bosta de fluxo de consciência! Saco. Bosta, bosta, bosta! Minha mãe me disse que estou com o palavreado muito chulo. Vivo falando saco. Não sei sobre quem escrever, nem sobre o que falar. Ontem fui a uma entrevista de trabalho.

Novo trabalho. O terceiro em dois meses. Fazer o quê? Estou assim, vulnerável. Quem me indicou foi Paloma. Joguei o valor do serviço lá para cima na esperança que ele me recusasse. Ledo engano.

Acordei cedo e fui. Terninho preto, cabelo preso, tudo dentro dos padrões daquelas baboseiras que te dizem como fazer e como agir numa entrevista de trabalho. Não acredito em nada disso, e sei que nem quem fala acredita. Se o entrevistador for com a sua cara, ótimo! Se não, reze para ser aceito na próxima oportunidade.

Então. O cara me deixou esperando cerca de uma hora. Quinta-feira, nem estava com vontade de trabalhar mesmo! Lá fiquei. Enfim, Paloma disse: “Ele mandou você entrar”. Entrei. Entrei e desandei a falar. Ele logo me perguntou se eu era arquivista. Pensei: “Meus pais estão me pagando a segunda faculdade para eu assumir que sou apenas arquivista, pelo amor de Deus!”, disse que não. Discorri sobre minha vida com tanta energia que o cara ficou pasmo, me olhando. Pela cabeça devia estar passando: “Dou logo o emprego a esta criatura e me livro deste falatório”.

Entrou um senhor gordo, muito gordo, sala à dentro. Estava cheio de processos nos braços. Enquanto o cara atendia a ligação ao telefone, o gordo puxou minha mão e a beijou. Eca! Quase vomitei. Era advogado, eu acho. Se não era, carregava consigo um broche da OAB. Perguntou meu nome, eu disse. Perguntou como eu estava, respondi que bem. Por educação, retribuí a pergunta. Ele disse que a manhã dele acabara de se tornar melhor. Nos olhos, vi uma chama de fogo, e ardia. Claro! Na “cabecinha” ele arquitetou um encontro sórdido comigo. “Eca!” De novo.

Enfim, o cara mandou eu fazer um orçamento. Como assim orçamento? Paloma tomou a frente e chutou o preço. Ele fez cara de paisagem. Claro! Ele pensou: “Diante daquela bagunça que ela vai enfrentar, por este valor que ela está pedindo, ainda saio no lucro”! Saí e fui no arquivo ver o que me aguardava. Otário. Ou melhor, otária, eu! Se eu houvesse cobrado o dobro, ele pagaria. Nada de assustar. Umas trinta caixas arquivos, previamente separadas, muito empoeiradas. Eu disse que começaria naquela mesma hora. Coloquei a bolsa no ombro e fui ao cinema. Doce ilusão achar que eu sujaria o meu terninho preto.

Na manhã seguinte, levantei-me e fui ao meu novo local de laboro. Trabalhei. Trabalhei mesmo! Até as três da tarde. Sem comer! E escutei um elogio e até um: “Parabéns!”. Fui embora. Cheguei à faculdade e sentei-me no boteco. Ao chegar, a esposa do proprietário me olhou e pensou: “Hoje é dia!”. Ela acertou. Pedi uma cerveja, outra e depois outra, sozinha. Hora de ir à aula. “Depois eu volto”, eu disse. E voltarei mesmo, com certeza. Afinal, hoje é sexta-feira...

Encontro

Pedro Levindo
Será que aquilo daria certo? A idéia toda o deixava um pouco nervoso. É claro que grande parte desse sentimento se dava de forma natural. Todo mundo fica nervoso antes de um encontro não fica? Fica, bem pelo menos a maioria. Mas e encontro com quem se conheceu pelo Orkut? Nunca acreditara em namoro, nem amizade, nem nada na internet, a não ser compra de livros e pesquisa feita de qualquer jeito. Dois meses de conversa... Até que não foi muito. Como seria o papo? Ela era inteligente, gente fina, pelo menos ao telefone. Essa camisa está ruim, não ficou legal com a calça jeans. Jeans não tá muito despojado não? Não, tá bom. Trocou de camisa, por uma verde. Combina com o olho. Zorra, essa camisa de novo? Se tirar ela sai andando. Mas, dava sorte, é verde, ficou bom, pensou. Se bem que ela já viu o olho, as fotos do site mostravam bem. Afinal, foram as fotos mesmo que a atraíram. Aquela história do livro... Podia até ser verdade, mas... foram as fotos mesmo. Estavam ótimas. Ao contrário das dela, todas meio escuras, fora de foco, pequenas, de parte do rosto apenas. Mas ela parecia ser bonita. Será que era mesmo? Ás vezes foto engana... E se não fosse, como diabos sairia dessa? Não dá pra marcar depois de mais de dois meses de conversa pra não ter nada né. Ou dava? E se ela não gostasse dele? Improvável. Olhou-se mais uma vez no espelho. A camisa verde ficou boa. Penteou os cabelos mais uma vez. Repartido no meio? Não, tá pequeno demais. Repartido pro lado, com um pouco de gel. Muito “mauriinho”?. É. Mas vai assim mesmo, que se dane. Isso. Não era muito vaidoso. Isso se dava, masi do qualquer coisa, pelo fato de que achava-se bem quase sempre, ás vezes um pouco feio, geralmente muito bonito. Olhou-se mais uma vez no espelho. Muito bonito, como sempre. Satisfeito com o resultado, passou perfume, deu uma última olhada no espelho. Tudo nos conformes. não esqueceu nada? Não. De cima da bancada, pegou o que tinha pegar e saiu. Seja o que Deus quiser.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A mente de Raiany dentro da minha

Fluxo de consciência *
Por/Carlos Alberto -Raiany

Que raiva! Nasci há nove anos atrás de um segundo casamento... segundo casamento da minha mãe e do meu pai...Dois irmãos...Não agüento mais desde os meus dois anos de idade, sofrer com tanta briga... tantas pessoas...

Ciúmes...Tranqüilidade....Papai, gosta de ficar com os amigos jogando bola e, baralho quando em dia de folga... Minha mãe não sabe se pelo fato dela ser cabeleira é tão vaidosa... Puxei este lado dela? Sinto-me muito vaidosa para uma menina de apenas nove anos de idade... Escovar meus cabelos... Fazer minha unhas... Comprar até minhas maquilagens em revista de Hermes... Separada de minha mãe, é que não gosto de misturar muitas as nossas coisas... Pago tudo com minha mesada que recebo todo mês do meu avô Pedro...

Mas falando do meu lado emocional, me sinto uma criança madura...Estudar, discutir idéias com meu irmão...Pena que minha irmã não morou com meus pais junto comigo...Hoje então com a separação deles não gosto de ver minha mãe chorando...Procurando Igrejas para restaurar o casamento e nossa família, esta separação me abalou muito emocionalmente, quando lembro do meu pai brincando comigo e, até mesmo com meu irmão...Meu único consolo são minhas bonecas...

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O ataque de “Garga”

Por Márcia Barreto

Um homem negro, 1,90 de altura, magro, olhar perdido. O seu look predileto é bermuda, camisa branca e por cima um saco de lixo plástico preto cortado como se fosse uma camisa. Carregando sempre uma pá ou barra de ferro ou de madeira. Nunca anda de mãos vazia. Como se estivesse sempre preparado para o ataque. Transita livremente pelas ruas sem nenhuma restrição. Gargamel é o nome. Não é do desenho “ Os smurff”, mas é tão temido e odiado quanto ou até mais.

Dia 11 de agosto de 2007, por volta das 15 horas. Lilí, como é conhecida entre parentes e amigos, abria o portão de seu ateliê para que seus clientes fossem embora. Após conduzi-los até o carro e despedir-se dos clientes, avistou de longe Gargamel. “Meu DEUS!!! Tenho que correr. Entrar e fechar logo esse portão que aquele maluco ta vindo ali. Nossa ele está se aproximando cada vez mais. Tenho que correr. Acelerrou os passos mas não deu tempo. Ele esta andando muito rápido. Que medo!!!”.

Enquanto pensava na rapidez que ele se aproximava, andava rápido também com o objetivo de alcançar o portão do atelier e se livrar da possibilidade do ataque. Quando estendeu o braço e colocou a mão na maçaneta do portão para abrir e entrar foi surpreendida com a mão dele no seu cabelo e um puxão que a jogou na rua. Foi quando se deu conta que ele já estava ali. “Meu DEUS e agora!!! Me ajude!!! Esse homem vai me matar!!!Preciso de ajuda!!!Ruan!!! Ruan!!!”.

Lili começou a gritar o marido com pedido de socorro:

- Ruan socorro!!! Ruan!!! Ruan!!! Ruan socorro!!! Ruan!!!

O maluco começou a falar alto:
- Vou te matar! Você destruiu minha casa! O Meridian acabou. Culpa sua!!!

Falava o maluco se referindo ao antigo hotel Meridian(Rio Vermelho) que hoje é Pestana. Segundo informações ele morava em baixo do hotel e quando foi vendido o novo proprietário expulsou todos os moradores daquele local.

Lili ainda muito confusa com toda aquela situação. "Não entendia direito o que estava acontecendo. Sentindo os tapas, os murros que o maluco dava por todo o seu corpo. Em pânico com muito medo de morrer". Continuava gritando. Pedindo ajuda:

- Socorro!!! Alguém me ajude!!! Socorro!!! Socorro!!! Socorro!!! Socorro!!!Socorro!!!...

Enquanto pedia ajuda entrou em luta corporal com o maluco. “Meu DEUS, por que ninguém me ouve!!! “Meu DEUS!!! Esse homem vai me matar. Meu DEUS!!!”
Foi quando Gargamel puxou o óculos de Lili, "tudo escureceu". Não teve tempo de pensar em mais nada. Caiu no chão desmaiando. Permanecendo ali caída no chão com o maluco em cima dela puxando seu cabelo e batendo naquele corpo frágil e desprotegido.

Ao lado estavam seu marido e seu irmão lavando o carro. Quando ouviram os gritos de socorro correram até o local. Ela caída no chão e ele em cima dela batendo com muita força. Foi a cena presenciada por seu marido e seu irmão.

Naquele instante o marido completamente transtornado. Pulou em cima do maluco e começou a bater nele. "A raiva era visível em seu olhar". “Vou matar você!!! Largue minha mulher seu cretino!!!”
Aos gritos começou a chamar o nome da esposa. Na esperança de que ela reagisse.

- LILI,LILI,LILI!!! Meu DEUS!!!

Enquanto batia no maluco ordenava que ele saísse de cima de sua mulher:

- Larga ela seu filho da puta desgraçado!!!”.

O irmão e o marido dela juntos bateram nele. Até que conseguiram tirar ele de cima dela. O maluco saiu correndo em disparada.


Nesse momento várias pessoas correram para o local. Inclusive sua mãe. Que no ato de desespero correu ao encontro do corpo da filha estendido no chão. “Meu DEUS!!! Ajude minha filha”. “Meu DEUS!!! Ajude minha filha”. Sem entender direito o que havia acontecido ali!!! Ajude minha filha”. “Meu DEUS!!! Ajude minha filha”. “Meu DEUS!!! Ajude minha filha”.


O marido e o irmão dela carregaram na e levaram para dentro de casa. Que fica no andar em cima do seu ateliê. Deitaram ela na cama e colocaram para cheirar álcool, alho até que ela acordou:

- O que aconteceu?!?O que aconteceu?!?

Perguntava Lili sem lembrar o que tinha acontecido. "Aos poucos foi lembrando, as imagens vinha feito filme. Em um ato de desabafo começou a chorar". Seu marido abraçou com força e disse:

- Calma meu amor está tudo bem. Vou te levar a um hospital para fazer uns exames e verificar se está tudo bem.

Ela não parava de chorar. Amparada pelo marido seguiram para o hospital.

A mãe, o marido, o irmão e ela entraram no carro e foram para o hospital. Chegando lá ela foi submetida a vários exames. Quando retornaram para casa já era noite. A sensação era de alivio por não ter acontecido nada de mais grave.

Com escoriação pelo corpo, ainda meio confusa tentava organizar seus pensamentos e agradecia a DEUS por ter sobrevivido. “Meu DEUS obrigada!! Aquele maluco quase me matou. Se não fosse meu marido e meu irmão!!! Meu DEUS o que teria sido de mim? Foi o senhor DEUS que os enviou para me salvar !!! Obrigada”. Sempre que pensava no acontecimento lágrimas corriam-lhe o rosto.

Quando chegaram em casa estava a irmã, os três irmãos, o pai, os tios e as tias aguardando seu retorno. Ao entrarem em casa andando todos sentiram um alivio no coração e enchiam eles de perguntas:

- O que foi realmente que aconteceu? Aquele desgraçado fez o que com você? Você esta bem?

Ficou difícil sabe quem perguntava o quê.
Aos poucos foram se acalmando. E Lili explicou tudo com a ajuda do marido, do irmão e da mãe.

Nos dias seguintes Lili não andava sozinha na rua.
Assustada não ficava na porta do próprio ateliê. E quando tinha que sair sozinha, movimentava a cabeça olhando para todos os lados e pensando desesperadamente: - “Meu DEUS tomara que aquele maluco não apareça nunca mais”.

Todos ao encontrá-la na rua perguntavam como tinha acontecido aquilo? Após a narração do fato, as pessoas ficavam estarrecidas.

- Como é que um maluco desses vive solto pelas ruas? A polícia não faz nada? Os dirigentes do Estado e Município não estão preocupados. Isso é um problema de saúde pública e de polícia.

A mulher ainda muito assustada nada respondia.

Depois de um mês já estava mais tranqüila. E ria ao lembrar daquelas horas de horrores.

Os parentes e amigos passam por ela e gritam:

- Cuidado LILI !!! Garga ta vindo ai!!! Cuidado com Garga!!!
Ela ri e repete as frases.

- Cuidado!!! Garga ta vindo!!! A próxima vítima pode ser você!!!

Assim aprende a conviver com o medo. “Meu DEUS, não quero mais cruzar com aquele homem. Me proteja DEUS”.


Desabafo: Gargamel continua solto e impune pelas ruas. Desde criança ouço histórias horríveis a seu respeito. Dizem que matou a própria esposa com uma pá. Detalhe só ataca mulheres. Como ele é muito alto, quase dois metros de altura, e forte causa pânico.
Ontem dia 23 de setembro de 2007, fui na Perini – Pituba com meu namorado, na rua em frente, estava ele gritando por alguém na porta de um edifício como se fosse uma pessoa de bem. A rua estava com pouca iluminação. Ao perceber sua presença senti pânico, raiva, revolta e uma sensação de impotência por ter certeza de que temos de conviver com ele. E se fizermos algo com contra ele, a justiça fica contra nós. Alegando que ele não tem o juízo perfeito. Mas quem tem? A justiça? Que garante a um ser dessa espécie que ameaça, bate e mata as pessoas? Ele terá que fazer mais quantas vitimas para que alguém tome uma posição? Que país é este? Que leis são essas que garantem a esse sujeito a liberdade? Enquanto que para nós fica o medo, pânico. Acho que maluco somo nós? Ele transita livremente pelas ruas. E se nossos caminhos estiverem no mesmo sentido procuro um abrigo por medo dele.
Cadê o meu direito de ir e vir quem vai garantir???

Caso de saúde pública

Márcia Barreto

O vigilante usa boné, calça azul e camisa amarela. No rosto, chamam a atenção duas máscaras brancas de feltro, que davam a ele uma beleza mascarada. No movimento de abrir e fechar o portão, de ferro pintado na cor branca, o trabalhador não descuidava das máscaras sobrepostas. A todo o momento, ele ajustava a proteção que, na verdade, sintetizava uma realidade, uma denúncia. O homem negro protegia suas narinas da contaminação e do mau cheiro que estava sendo exalado. Um odor forte, oriundo de ferimentos abertos, carne podre e sangue, junto com uma mistura de gente sem tomar banho, dava o toque do ambiente. Desesperança e revolta eram os sentimentos perceptíveis nas pessoas que estavam naquele local, na manhã do dia 21 de setembro de 2007. Onde estamos? No Hospital Roberto Santos – Salvador – Bahia - Brasil.

Na frente da emergência, o cenário era confuso. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Aproximadamente 20 pessoas, entre pacientes e acompanhantes, aguardavam ansiosos o destino de parentes e amigos. Nenhuma satisfação da direção do Hospital ou da Secretaria de Saúde sobre o que era aquilo que mais parecia um pesadelo. Cenas de um campo de guerra, com muitos enfermos e poucos profissionais, espaço físico quase impossível de acolher a todos.

A porta interna da emergência não só estava fechada, como trancada. Acompanhantes e funcionários usavam máscaras. Um fedor insuportável, vindo do interior da sala trancada, denunciava que algo de errado estava acontecendo naquele local.

O destino dos enfermos que amanheceram ali era incerto. Os burburinhos eram inúmeros. Todos se queixavam das condições de tratamento dado aos pacientes, que eram as piores possíveis. Sem critério de avaliação do problema, da resistência desses enfermos, eles eram mandados para casa sem resolver o problema ou orientados a procurar outra unidade de saúde. Muitos não agüentavam andar. Eram pacientes internados há dias na esperança de uma cirurgia que não aconteceu.

Pacientes e acompanhantes saíam pelo portão - branco, de ferro -, da emergência, que era aberto pelo segurança mascarado. Pessoas que pareciam formiguinhas carregando alimento, só que essas formigas estavam carregando seus doentes.

A paciente Robéria aparentava uns 47 anos. Negra, com a cor da pele pálida quase branca - da doença, uma fisionomia triste, a dor estampada na cara. Cabelo preso em total desalinho, mal conseguia fica de pé, demonstrava dificuldade em falar, e quando conseguia, sua voz saia baixinho que quase não dava para escutar. Camisa laranja com listras branca, saia preta, jaqueta jeans, sandália de dedo – baixa, cobria aquele corpo magro, sofrido que adentrara aquela emergência em busca de Socorro!!!Socorro!!! Socorro!!!Socorro!!!Socorro!!!

Robéria era mais uma que havia sido mandada para casa sem resolver o problema. Conduzida por sua vizinha, Miriam Conceição, que tinha a indignação, a revolta e a desesperança estampada no rosto. Transtornada com aquela situação de abandono, gritava:

- Ele já está aqui há 18 dias aguardando uma cirurgia de vesícula e nada foi feito. Agora mandaram ela ir embora. Marcaram uma consulta para o dia 13 de dezembro de 2007. Isso se ela estiver viva!


Diante da indignação da vizinha e da sua situação no hospital, de total abandono. 18 quilos a menos, Robéria demonstrava otimismo, esperança e acreditava que teria seu problema resolvido.

- Vou estar viva sim! Vai dar tudo certo! Vou ficar boa! Vou resolver o meu problema!

Nesse clima de indignação Robéria era conduzida pela vizinha até o carro que a levaria para casa. Onde aguardaria a determinação de um futuro incerto.

O desespero, a indignação e a revolta na frente da emergência continuou. Sempre lotada com pacientes, acompanhantes que aguardavam ali uma posição que chegou sem muito convencimento do Secretário de Saúde. Que virtude da super lotação os pacientes estavam sendo liberados.

Maria Oliveira domestica procurou a emergência do Hospital Roberto Santos com enjôos, tontura e dores na cabeça. Saiu de lá sem resolver o problema. Recebeu orientação para buscar atendimento em outras unidades de saúde. Indignada falava:

- Para ser atendido aqui tem que ter tomado um tiro, ou facada!
Assim foi durante 1h30min de permanência naquele local. Abandono era a impressão daquele lugar, sombrio e fétido.
Difícil de imaginar gente tratando gente dessa forma

domingo, 23 de setembro de 2007

Infância sobre mesa

Por Isis Santana

Na toalha branca com detalhes de frutas coloridas, em meio a farelos de pão do café da manhã e manchas do molho do macarrão servido no almoço, uma pequena lata de doce de leite. A iguaria foi feita de improviso, através do cozimento, em banho-maria, de uma lata de leite condensado.- Quer mais moreninho ou mais branquinho?, pergunta, Ana, a dona da casa, para fazê-lo de acordo com o gosto da visita. É só uma questão de tempo. Se cozinhar mais, mais moreno; menos, clarinho.
Sentadas em volta da mesa retangular da cozinha, Ana e Terezinha (amigas de mais de duas décadas) jogam suas histórias, servem-nas como se servissem as coxinhas e os doces que são capazes de fazer. Promovem uma festa de criança, sem ocultar os traumas inevitáveis da fase.
Conheceram-se numa manhã em que Terezinha bateu à porta da casa de Ana, a seis quadras da sua própria, para vender roupas, o que fazia diariamente pela vizinhança. Com um semblante sisudo, que pouco combinava com sua aparência de serenidade, Ana, uma matrona corpulenta de estatura baixa, tez alva e olhos castanhos contornados como os de uma indiazinha sapeca, recebeu-a sem esconder o mau humor, e tampouco a barriga da gestação avançada.
- O que você quer?
Vendedores na porta de sua casa a irritam.
- Não preciso vender, não, mas quero saber o que acontece pra esse mau humor. Você tá com a graça de Deus aí, e tá desse jeito. Podemo conversar se quiser.
- Então entra pra tomar um café podre, disse Ana, risonha, pelo gracejo que ousara, e já amolecida.Ana abriu a porta de sua casa e, senão comprou nada naquela dia, compraria em muitas outras oportunidades. Era apenas o início de uma madura amizade, que ganha mais um encontro nesta tarde de domingo outonal, ensolarado, mas não quente.

Aniversário Secular

Alice Coelho

O domingo oscilava. Ora o sol se expunha, ora se escondia por trás das nuvens que passeavam pelo céu. Era uma data especial para a família Veloso. A matriarca Canô Veloso completava cem anos de vida.

O tempo parecia corresponder aos sentimentos de Dona Canô. Vestida toda de branco, óculos redondos e uma pequena bolsa branca nas mãos, aqueles olhos verdes expressavam felicidade e emoção.

- A senhora tá feliz? – pergunta uma das repórteres que lhe cercavam desde cedo.

- Eu não sei explicar. Eu não sei se é felicidade, se é alegria, se é tristeza. Sei que estou sentindo tudo de uma vez.

Os cabelos brancos e a pele enrugada de Dona Canô Veloso lhe dá o direito de não saber definir o que sentia. Apenas de viver.

Canô passou o dia cercada por repórteres, artistas, políticos e pessoas comuns da cidade de Santo Amaro da Imperatriz. O dia parece não cansar a aniversariante. Com disposição de invejar qualquer jovem de 20 anos, é acompanhada por três de seus quatro filhos, em direção à igreja matriz de Santo Amaro da Imperatriz, onde vai ser realizada missa em sua homenagem.

A igreja está lotada. Aquele espaço parece não ser suficiente para tanta gente. Em um ambiente de pouca e luz e pouca ventilação, é válido utilizar-se de qualquer coisa que faça vento, inclusive o folheto da missa.

A música escolhida para o momento da entrada de Dona Canô na igreja, é de autoria do filho Caetano. Grande parte das pessoas que lá estão, escolheram se vestir de branco. O branco que, em terras baianas, pode simbolizar a paz, Nosso Senhor do Bonfim ou até mesmo Oxalá.

A aniversariante parece não fazer distinção dos que ali estão e cumprimenta a todos a quem seu olhar alcança. A missa, celebrada pelo arcebispo Dom Geraldo Magela tem um momento especial. Emocionada, a mãe de Caetano e Bethania, recebe das mães do arcebispo uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Populares e famosos tentam traduzir em gestos e palavras o que aquela senhora significa para a comunidade baiana. O Ministro da Cultura, Gilberto Gil, diz que ela é uma pessoa “Canonizada em vida”. Um grupo de menino cantores fazem uma homenagem singela: cantam uma música feita especialmente para ela.

Canô Velloso não é artista, mas é famosa. Embora pareça não compreender o porquê de tanta homenagem, os seus 100 anos significam para a comunidade de Santo Amaro muito mais do que um século de vida.

Superlotação em hospital de Salvador

Por Verena Cerqueira

Cabelos já grisalhos e magra, aparentava fraqueza e devia ter mais de 50 anos. Com uma jaqueta azul, uma saia preta e uma blusa listrada, Dona Robéria é uma mulher já idosa, e, com dificuldades para andar, saiu do hospital com a ajuda de sua acompanhante.
Com uma pedra na vesícula e 15 quilos a menos, Dona Robéria aguardava 18 dias no Hospital Roberto Santos para ser operada. A cirurgia não só não aconteceu como foi adiada para, somente, dezembro.
"Se ela estiver viva até lá, faz a cirurgia", disse sua acompanhante desapontada. Dona Robéria, com esperança nos olhos afirmava para si mesma que ia resistir até lá e se curar.
A idosa foi somente uma, entre diversas pessoas que se encontravam ontem no Hospital Roberto Santos em busca de atendimento.
Localizado no bairro do Cabula, o Hospital Roberto Santos fica após a subida de uma longa ladeira. A emergência do hospital fica separada, e foi lá, especificamente, que, 150 pessoas aguardavam atendimento no qual só tinha capacidade para metade.
Aparentando ótimas condições visto de fora, e ainda mais por se tratar de um órgão público, o Roberto Santos denunciava justamente o contrário no seu interior.
Apesar de a porta principal, grande e de cor branca, ter sido mantida fechada, ao entrar na emergência podia-se ver diversas pessoas, entre médicos, funcionários, doentes e acompanhantes, circulando no local devido a entrada não ter sido proibida por ninguém.
A desorganização era enorme. Pessoas com cortes profundos e ferimentos graves circulavam entre acompanhantes e doentes. Muitas usavam máscaras devido ao mau cheiro causado por essas pessoas de ferimentos graves, que, ao invés estarem em salas separadas, encontravam-se juntamente com os acompanhantes a espera de atendimento.
O funcionário da secretaria de saúde Manolo Domingues, homem aparentando seus 50 anos, pele branca, cabelos quase totalmente brancos e barbudo, admitiu que a situação não era normal e que já estavam sendo tomadas providencias para amenizar a situação. Disse ainda que somente as pessoas com ferimentos mais graves estavam sendo atendidas e já estavam tomando as providencias para a transferência dos demais feridos e doentes para outros hospitais da cidade.

Um século de história

Midiã Santana

Uma aparição com as madeixas soltas publicamente é quase impossível, seus cabelos brancos estão sempre cuidadosamente penteados, geralmente um coque básico. O rosto é sereno, o andar é lento, a pele já está enrugada da idade, mas a lucidez e a agilidade para cuidar do que a pertence se tornam raridades para alguém que já vivi a tanto tempo, como é o caso de Dona Canô. Afinal de contas, o fato de uma pessoa completar um centenário, e esbanjar alegria e sensatez, não é algo que aconteça com freqüência.

Na pequena e pacata cidade de Santo Amaro da Purificação, todos já conhecem a casa azul e branca de número 179 na Avenida Ferreira Bandeira. É ali que há mais de 60 anos é a casa dos Veloso, da Dona Claudionor, a famosa Dona Canô, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, cantores importantes no cenário musical do Brasil.
A cidadezinha de Santo Amaro, muito simples, com cara de centro histórico, já teve tempos de glória graças a cana - de- açúcar, mas após a queda do açúcar, a cidade parou no tempo, e não teve mais nenhuma grande evolução financeira. E nessa cidade calma, e sem muitas opções de lazer, Dona Canô que já brigou por inúmeras questões para melhorar a cidade, incluindo a revitalização do Rio Sumaré, usou da sua “fama”, para pedir aos governantes que reconstruíssem o teatro da cidade. E como “Dona Canô chamou”, eles foram e o restauraram. Esse é um dos exemplos que fazem esse povo, que ela diz não entender porque a admiram tanto, terem amor e gratidão por ela.

Não era um dia qualquer ...

Tudo indicava que era um dia comum de sol e pasmaceira, mas na verdade não, era o aniversário da pessoa mais importante da cidade. A festa de comemoração do Centenário de Dona Canô, que começou com uma procissão da população pelas ruas da cidade, com a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, levada de São Paulo especialmente para a comemoração. Depois seguiram para a Igreja de Nossa Senhora da Purificação onde a aniversariante foi recebida pelos fãs e amigos, com uma missa celebrada pelo Arcebispo Primaz do Brasil, Dom Geraldo Magella Agnelo e pelo Monsenhor Gaspar Sadoc.
A filha Maria Bethânia, também prestou homenagem a mãe, e com lágrimas nos olhos cantou a música Romaria.
Um dia marcante para a “mãe da cidade”, uma senhora muito religiosa, e que já viu muito da história do país, da cidade, da própria vida, e que ficará marcada na história de Santo Amaro.




sábado, 22 de setembro de 2007

O que será das marias, mauras, e robérias?

Uma imponente construção erguida no vasto terreno do bairro do Cabula, em Salvador, gera indignação, revolta e desespero. Sintomas como dor de cabeça, um possível câncer e pedras na vesícula não são respeitados. Cerca de 150 pessoas com estavam passando por uma triagem rigorosa devido ao aumento no atendimento da emergência do Hospital Roberto Santos. Com capacidade para atender 75 pessoas por dia, na última quinta-feira, 20 de setembro, o hospital abrigava 150. Marias, Mauras e Robérias vão para casa porque não sofreram nenhuma facada ou tiroteio.

Durante 18 dias, Robéria espera por uma cirurgia na vesícula. Com aspecto frágil, e com 15 kg a menos, foi ao Roberto Santos não para perder peso, mas para realizar uma cirurgia de retirada de cálculos na vesícula. Voltava para casa vestindo uma saia preta e uma blusa laranja com listras brancas, e com um casaco jeans aparentemente folgado. Além disso, um pequeno detalhe, imprescindível: todas as suas pedras ainda na vesícula. Se ainda estiver viva, como afirma Miriam Conceição, vizinha da paciente, Robéria volta mais uma vez para estadia no “spa estadual” em dezembro. Até lá, vai conviver com as dores abdominais, que não deve ser muita coisa, afinal, os médicos a deram alta! O otimismo produz a única: ela voltará.

E haja otimismo! Ainda temos as Marias e as Mauras em busca de atendimento. Isso, é claro, se Jorge Solla, secretário da Saúde, explicasse realmente o que estava acontecendo para haver uma triagem tão rigorosa em um hospital público que, mesmo sempre movimentado, atendeu a população do Estado.

Mas aonde tem podridão há um odor bem forte. E é esse odor que denuncia toda a agitação da emergência e explica a utilização de máscaras por funcionários. Pacientes diabéticos, com pernas necrosadas, justificam o mau cheiro na emergência. Faltam cirurgiões para amputar, afirma Maura Barreto, que na espera de atendimento, explica o fedor que exala do local.

Robéria voltou para casa, Maura ainda espera. E as Marias? Maria Oliveira, coitada, só estava com dor de cabeça, também não deve ser nada (?), foi mandada embora. E a outra Maria de Lourdes, 59, nada grave, ela só está com suspeita de câncer (!). Vai vê que é assim mesmo. É mais fácil morrer em casa e não assumir a culpa do que no próprio hospital. Ai já viu, o escândalo seria maior, e o Jorge Solla mais uma vez não saberia explicar.

Emergência Superlotada

Por Ana Paula Paixão

Um verdadeiro caos é a forma de resumir a situação em que se encontra o Hospital Roberto Santos nos últimos dias. Por causa da superlotação a emergência do hospital não tem condições de atender à demanda. O número de doentes chegou a dobrar durante o dia segundo a direção. O hospital possui 75 leitos e chegou a 150 a quantidade de enfermos. Pessoas carentes de muitas regiões de Salvador esperam na porta da instituição em busca de melhorar a própria saúde ou de seus amigos e parentes. O que se vê é uma cena de luta pela sobrevivência. Indivíduos à espera por sanar seus problemas físicos.
No cenário uma lotação. Pessoas amontoadas, debilitadas, ansiosas e sofridas. Sobreviventes como a doméstica Maria de Oliveira. Ela chegou ao local com enjôo, tontura, porém não foi atendida. Seu caso não era considerado urgente. Maria de Lourdes com fortes dores no abdômen ficou sem resposta. Portas Fechadas. A direção não permite entrada de jornalistas. Pelo vidro das janelas se vê os funcionários estão usando máscaras. Impacto. Isso seria um procedimento normal em hospitais mas o uso das mesmas não é comum de se ver no dia-a-dia. Porém isso se dá por conta do mau cheiro provocado devido a ferimentos graves de alguns pacientes. Alguns com os membros já condenados à amputação, na espera pela vaga para cirurgia. Jorge Solla, secretário de saúde, afirma que a sala de espera se encontra trancada para controlar a entrada de acompanhantes até que a situação seja normalizada. Quem recebeu alta esperava do lado de fora , de pé, pelo transporte.
Manolo Domingues, funcionário da Secretaria de Saúde, assegura que os enfermos estão sendo atendidos dentro do possível e que a prioridade está sendo dada aos casos graves. Uma ambulância chega. As portas se abrem. Um homem chega carregado numa maca com um ferimento grave provocado por um prego que perfurou parte do seu olho. Foi levado às pressas para dentro. Quem já esperava há tempo apenas se pôs a observar a agonia daquele senhor. A demora garante que ele foi atendido e não será mandado embora sem assistência. Esperança para os que anseiam por atendimento.
Robéria Fortes, vinda de Mar Grande, Ilha de Itaparica, magra, vestida numa roupa simples, calçando chinelos. Aparência frágil. Há 18 dias internada com dores. Atravessou a Baía de Todos os Santos em busca de solução para seu sofrimento, confiando na misericórdia da saúde pública. Voltou para casa e uma nova consulta foi marcada para Dezembro.“Se ela ainda estiver viva”. Desola-se a aposentada Miriam Conceição, sua acompanhante. Uma senhora forte, que segura todo o tempo o braço de Robéria de forma caridosa e firme. Dona Miriam suspeita que Roberia sofre de vesícula. Já a enferma mostra que tem a perseverança típica dos mais humildes: “Estarei viva sim”. Responde.

Sorte

por Pedro Levindo

O Hospital Roberto Santos, público, aparenta, do lado de fora, uma certa calmaria. O prédio é bem-pintado, as instalações são limpas. A Unidade de Tratamento Intensivo é considerada uma das mais modernas da cidade. No anexo onde funciona a emergência, a situação não é muito diferente. Mas essa tranqüilidade acaba quando uma das portas é aberta. Apenas uma fresta basta para se ter idéia do mundo diferente que existe lá dentro. A idéia cristaliza-se na cabeça com os relatos de quem tem a sorte – ou o azar – de sair de lá.

Dona Robéria foi uma dessas pessoas. Usava uma blusa laranja com listras brancas, uma saia preta e uma jaqueta jeans - o frio lá dentro é grande. Saiu amparada, pois sua locomoção, devido aos problemas na vesícula e ao estado debilitado de saúde em geral, está comprometida. Ela anda com a ajuda de uma vizinha, que foi quem a levou ao hospital 18 dias atrás. Foi esse o tempo que a senhora de meia-idade precisou ficar internada para descobrir que a cirurgia de retirada da vesícula, necessária em seu caso, vai ter de ficar para daí a três meses, em dezembro apenas.

A capacidade de atendimento da emergência do hospital é de 75 pacientes por dia. Essa semana, contudo, esse número tem chegado facilmente ao dobro. Os médicos priorizam, naturalmente, os casos mais graves. Dona Robéria, com o semblante cansado, visivelmente debilitada, não teve a sorte de ter o seu caso classificado como grave ou urgente.

Seu estado de ânimo não aparenta revolta, transmite apenas resignação. A revolta ficou a cargo da vizinha e amiga Miriam, que a ajudava a andar. Vestida de forma simples, com um vestido estampado - tão caro a senhora de sua idade - ela mirou a câmera por trás dos óculos grossos e de haste escura e, com o olhar preocupado, disse para a equipe de TV que elas voltariam daí a três meses. “Isso se ela estiver viva até lá”. “Estou indo pra casa, mas tenho certeza que amanhã vou ter que voltar”, completou. Apesar dos pesares, Dona Robéria parece otimista. Resumiu-se, no entanto, a dizer “Vou estar”. Isso, como diz o dito popular, só Deus sabe.

Para quem acredita no Todo-Poderoso, será um caso para Sua providência. Para quem não crê, ou já conhece os meandros da emergência do Hospital Roberto Santos, será apenas mais um caso, onde fica a questão, um tanto quanto prosaica: será que Dona Robéria, daqui a três meses terá de novo a sorte de voltar, e sair, viva, de lá?

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Proibido para mim!

Karina Oliveira
Agora mais arrumada, perfumada, maquiada e cheia de más intenções, observo meu alvo. Tento controlar-me, para que os outros não percebam que não consigo parar de olhar e, desejar alguém dentro daquela sala... Os movimentos são controlados... Cada olhar, cruzadas de pernas, mordidas nos lábios... Qualquer coisa para chamar sua. Porém, tudo é em vão... Existe um abismo que nos separa. Mas, eu não desisto. Insinuo-me e tento despertar nele o mesmo que estou sentindo... A preocupação em manter o segredo a salvo dos outros, faz com aquele momento torne-se cada vez mais tenso, parecido com os filmes de ação, o mínimo de descuido pode estourar a bomba e os destroços poderão ser visto por todos... Aquela situação sufoca-me e fico num dilema. Contar para as amigas o que está acontecendo, ou guardar este sentimento proibido.
O tempo passa... A vontade de realizar os desejos mais secretos aumenta e deixa-me confusa... Às vezes, me domina e, sem que perceba deixo a mostra. Assim como um pedaço de sua barriga quando levanta o braço para escrever lá no alto... Alto não, pois é baixinho... Então, olho para os lados e tento disfarçar o que alguns perceberam...Tento entrar no clima da aula, mas não tem clima com tanta gente ao seu redor,disputando sua atenção...Por que ele não me nota? Pergunto-me o tempo todo... E o clima está tão bom, já que estamos no verão... Tempo de amar e entregar-se aos amores proibidos... Ele não me nota e, em meio à multidão pareço transparente... O que fazer para despertar sua atenção?
O desespero toma conta de mim... E aquela confusão de sentimentos faz-me pensar sobre o que esta acontecendo... Gritar para todos seria uma boa idéia, mas não quero que todos saibam... Talvez, surrar ao “pé” do ouvido... Não, não... Está tudo errado! Por que o amor é tão confuso, difícil e dói tanto?... Poderia ser que nem pedir uma pizza. Pegar o telefone, escolher e... Ponto! A espera abre o meu apetite e, sinto vontade de devorar... Devorar-te com os olhos, com as mãos e com a boca... O desejo não passa... Continuo tentando satisfazer minhas vontades... Qualquer migalha pode saciar-me. Mas você não percebe, não vê... Então, aprecio outros pratos.

Aniversariante centenária

Silmara Miranda

Há um século atrás nascia Claudionor Vianna Telles Velloso, um metro e cinqüenta de altura e quarenta e nove quilos. Dos oito filhos, dois são conhecidos em todo o país, mas no dia 16 de setembro a notícia era só ela.
Para comemorar o centésimo aniversário de dona Canô, foi realizada uma missa em seu nome por nada menos que o cardeal arcebispo Dom Geraldo Majella Agnelo. Dona Cano merece. É uma defensora e luta por melhoria no bairro em que mora. Por isso, já poderia ser bem querida por todos os moradores, mas a humildade e simpatia por ela distribuídas só fazem aumentar o número de fãs que tem o privilégio de tê-la como vizinha na Avenida Ferreira Bandeira, número 179, pequena Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano. Para quem está de passagem, torna-se uma parada obrigatória para um pedido de fotos com a famosa dona Canô.
Em cem anos de estrada dona Canô já viu tudo acontecer. A chegada dos primeiros automóveis, guerras, prisão do filho na época da ditadura, a morte do marido, conheceu países, ... mas hoje a obrigação maior é com a igreja, quando vai religiosamente às missas na igreja da Nossa Senhora da Purificação.
No dia de seu aniversário, ela estava radiante, e os filhos Maria Bethânia e Caetano Veloso estavam como deveriam de estar, no papel inverso de suas vidas, dessa vez, aplaudindo mais um ano de vida do show de carisma que só dona Canô sabe dar!

Centenário: uma comemoração cada vez mais rara

Por Emerson Santos

Os sinos da igreja tocam com um som diferente, dando o sinal de um novo dia que se inicia na cidadezinha tranqüila, que é Santo Amaro da Purificação. Sob os raios do Sol, que não se intimida em aparecer para iluminar e aquecer esse dia mais que especial, o 100º aniversário de Dona Canô. Com um semblante nos olhos oscilando entre felicidade e cansaço, Dona Canô, uma das matriarcas mais conhecidas do Brasil, não se desanima em dizer que o segredo para se chegar aos cem anos é “procurar ser feliz”.
A comemoração do centenário de vida de Dona Canô, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, foi um marco muito importante para o povo baiano, principalmente para a população da cidade onde reside, pois, ela é considerada a mão dos santo-amarenses. Um exemplo de mulher guerreira e tranqüila, que sempre agarrou os seus sonhos, como faz uma leoa para proteger seus filhotes. Foram muitos e muitos anos de batalha. Sempre lutou para melhorar a cidade. Em Santo Amaro, não há quem não saiba onde fica a residência de Dona Canô, uma casa branca e azul, onde os Veloso residem a mais de sessenta anos.
Até hoje, ela é quem cuida dos assuntos da casa. Organiza a decoração, o cardápio, assina os cheques e paga as contas. Sempre foi vaidosa, raramente é vista com os cabelos soltos. Um santuário que fica estrategicamente montado na entrada de seu quarto é um dos locais mais preferidos de sua casa. Nele, podem ser encontradas várias imagens religiosas, muitas delas são presentes de amigos, como Nossa Senhora Aparecida e o próprio Santo Amaro. A comemoração de um centenário nos dias de hoje, é cada vez mais raro. Dona Canô é privilegiada por isso, visto que, não é todo dia que se chega aos cem anos firme, saudável e forte. Parabéns Dona Canô.

Dona Canô - A centenária

Carlos José Costa

Através de trancos e barrancos, novenas e trezenas, lavagens e muitas lavagens, eis que a velhinha mais famosa do Brasil, dona Canô chega aos seus 100 anos. A mãe de Bethânia e Caetano teve sua festa de centenário, muito bem celebrada na sua cidade natal Santo Amaro da Purificação. Mesmo com a aparência de muito cansada, está bem lúcida. Fala sobre qualquer tipo de assunto e não se embaraça nem um pouquinho.
Por morar toda sua vida numa cidade do interior a simplicidade transborda ao redor de dona Canô que se sentiu muito emocionada ao beijar a Nossa Senhora, que fora trazida de São Paulo especialmente para a sua missa de aniversário. As pessoas ao redor pareciam se sentirem irradiadas, talvez pelo símbolo que a considerada matriarca do estado da Bahia, representa.
Ser mãe de dois artistas tão respeitados no mundo das artes, especificamente o da música, também é mais um motivo que faz com que a mesma tenha mais um diferencial em relação a qualquer outra velhinha que venha chegar a completar seus cem anos. Este é um ponto bastante evidente. Os dois, corujas ou não, falaram que Canô sempre foi uma mãe dócil, cuidadosa, maravilhosa.
A festa para conterrâneos da centenária, artistas e outros foi celebrada num hotel fora da cidade que parecia mais existir só ele, no meio de uma grande mata. Afinal é bem a cara do interior mesmo, aquelas cidades pacatas, e que fora do centro só existe mata. E assim foi marcado o centenário de dona Canô repercutido em toda mídia nacional como um marco histórico.
O diferente de 20 e poucos anos.
Carlos Costa


As vezes me pergunto porque sou tão diferente. Porque não gosto das mesmas coisas que os outros da minha idade gostam? Afinal os 20 e poucos anos de uma pessoa é a fase mais áurea de sua vida, de um modo geral. As pessoas dizem que não me falta nada, mas com certeza me falta muita coisa. Sei disso. Gostaria de me comportar como o Marcos o cara mais famoso da empresa em que eu trabalho. Ele sim tem seus 20 e poucos anos e sabe bem aproveitar. Têm namoradas, é bastante comunicativo, vai à balada, bebe, enfim tem muita lábia. As pessoas olham para ele e sempre diz você é o cara.
Ah, eu também sou comunicativo, na medida do possível, vou à balada, não todo o fim de semana, não tenho namorada e não bebo. Então as pessoas dizem “Ah não, o Caio é diferente.” Por que? Só por que sou quieto e só falo quando me perguntam? E quando falo todos olham como se eu fosse a voz da experiência? Sim sou elogiado, muito elogiado, mas sempre o elogio final tem de ser, ele é diferente. Falo sobre qualquer assunto que me perguntarem e me expresso muito bem. Mas ao me elogiarem me sinto mais velho, mais experiente e acabo sendo diferente.
Vejo outras pessoas que são diferentes, e o pior é que de tanto os outros falarem já me sinto o mais diferente. Paulinha é paraplégica, é minha colega de trabalho também, mas seu humor é têm uma espontaneidade tão grande, que o fato de ela está em uma cadeira de rodas, não abate ela nem um pouquinho. As pessoas não dizem que ela é diferente. Denis, outro colega de trabalho, é gay, fala de sua vida abertamente para os outros, leva até o namorado para o trabalho para apresentar para nós e também nunca ouvi ninguém dizer que ele é diferente. Virgínia adota um visual dos anos 80 até hoje, e olha que ela assim como eu e os outros também têm 20 e poucos anos. As vezes chego até a achar estranho vê-la com aqueles sapatos de salto com plataforma na frente lembrando a época de Dancin´ Days, como ela mesma fala. Mas enfim como os outros ela também não escuta o jargão que me circunda, o de ser diferente.
Sei que as pessoas não são iguais, mas eu não queria ser diferente ou talvez o que me incomode mais é ser o diferente. Sei lá, soa para mim muito estranho, como extra-terrestre ou sei lá o que. Já pensei em seguir o estilo diferente de ser de muita gente, mas acho que tenho medo de me tornar mais diferente ainda.

Vasculhando o armário

Por Deny Nascimento



Lágrimas lavam meu rosto e limpam minha alma. Não sou louca e tão pouco passo por um momento de perda, entretanto, essas lágrimas também não são de felicidade. São 9h de uma sexta feira ,dia comum, dia comum para todos , mas para mim um dia inesquecível. Acordei cedo e resolvi mudar a minha rotina. Desliguei os celulares, coloquei uma camiseta velha e enorme que me faz sentir tão segura e tão acolhida como os braços de minha mãe. Sentei , pensei, pensei e percebi que precisava organizar a minha vida. Precisava voltar a ser responsável com os estudos, ser mais companheira dos meus amigos e principalmente: ser fiel a minha liberdade. Refletir que deveria fazer tudo isso foi fácil, porém tornar meus pensamentos realidade com certeza daria muito trabalho. Mesmo assim, contrariada pela normalidade do comodismo, saltei da cama resolvi começar a transformação.
Mas começar por onde? Fui tão desleixada, que minha vida está uma bagunça total. Pensei em ligar para meus amigos ,que por conta da rotina pesada do trabalho eu havia me afastado, afinal, com a ajuda deles, concretizar essa minha metamorfose seria muito mais fácil. Peguei o telefone comecei a discar 3... 3... 8... 4...NÃO ! vou fazer melhor, escreverei cartas pedindo desculpas, como nos velhos tempos. Mas onde estão meus papeis de carta? Hum.... no armário! Abri o bendito armário... estava tão arrumadinho, que 70% das coisas que estavam lá caíram nos meus pés. Era um problema a mais para eu resolver mas ... é a vida.
Sentei no chão catei os papeis e as cartinhas começaram a me chamar a atenção . Comecei a lê-las, uma por uma e a emoção tomava conta de mim. Cartinha de desculpas , de declarações de amor, amizade, rascunhos de cartas para namorado, papeizinhos eu eram trocados no meu das aulas.Eram tantas coisas de uma pessoa tão deferente do que eu sou hoje. Eu sei que transformações fazem parte de nos , mas eu mudei tanto, e em relação aos meus sentimentos, não foi para melhor. Naquela época eu não sofria dos males de hoje, não tinha vergonha de dizer eu te amo, de passar uma tarde inteira papeando e muito menos de fazer o que meu coração pedia. Agora eu sou o inicio do que eu sempre jurei que não seria: uma adulta manipulada pelo sistema.
Chorei muito ao ler trechos de minhas antigas agendas, (não tão antigas assim, de dois três anos atrás), percebi que eu era uma assassina. Assassinei muitos sentimentos e o pior, fiz com que o que de melhor eu tinha, minha ingenuidade, fosse apagada de minha memória. Não consigo entender como pude me transformar desse jeito em tão pouco tempo. Não sei como pude abrir mão dos meus maiores tesouros... Era hora de mudar.
Peguei papel, caneta e repetindo o gesto que era natural a menina que fui a dois anos atrás, deitei-me de bruços no chão e comecei a escrever, as palavras já não eram tão ingênuas como as de antes, mas já havia valido a pena , meu coração já sentia algo. Era uma espécie de dor, medo, arrependimento, felicidade,amor e angustia, e foi e sentimento mais intenso e mais profundo que eu já senti.
O mundo lá fora já não me interessava mais, eu tinha que colocar meus sentimentos em forma de palavras. Passei minha tarde escrevendo ,e ressuscitando o meu eu em mim.
“ ... amiga querida, sei que há muito tempo eu não demonstro o amor que sinto por você. Sei também que tenho sido incapaz de te ligar no meio da madrugada só pra saber se deu certo o seu plano de conquista ... muita coisa mudou. Mas hoje eu resolvi resgatar os meus tesouros, estou fazendo reviver o meu velho eu ... amiga eu te amo.
... sei que talvez o meu resgate de mim mesma não seja o suficiente para que eu acumule forças e a entregue um dia essa carta ... não importam os fins mas os meios dessa minha transformação já valeram a pena."


O dia se passou, escrevi muitas outras cartas. Resta- me agora o amanhã que me dirá se a minha volta ao passado valeu a pena.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ah... um emprego !

Emerson Cunha
Acho que essa já é a terceira ou a quarta entrevista de emprego que faço. Não me recordo mais em quantas fui exatamente, só sei que perdi em todas. A última, até acreditei por um segundo que conseguiria, mas, como sempre, na última etapa fui eliminada.
O que que eu to fazendo de errado? Será que eu não tenho competência suficiente pra trabalhar? É...só pode ser isso! Não guento mais sair de casa pra uma entrevista, e quando tudo parece que vai dar certo e finalmente vou conseguir a bendita vaga...Que ódio que eu tenho daquela menina que na última entrevista que participei não me deixou falar hora nenhuma! Foi por causa dela eu não passei! Mentira. Não foi por causa dela, foi porque eu sou burra mesmo e nunca vou conseguir um emprego!
Queria tanto parar de depender dos meus pais, entrar logo numa faculdade pra minha mãe não ficar falando que eu não faço nada, que eu tenho que estudar mais pra poder entrar na faculdade. Mas como eu vou estudar nessa casa que não para. O telefone vive tocando, sempre chega alguém na minha casa, tem sempre um falando alto, ouvindo som, fazendo barulho... É impossível se concentrar nessa casa.
Essa semana me ligaram pra mais uma entrevista de emprego. Lá no Itaigara. Não sabia como chegar lá, daí eu pedi pro meu namorado me levar lá. A gente até discutiu um pouco porque eu queria que a gente saísse bem cedo pra não correr risco de atrasar, mas ele teimou dizendo que não precisava sair tão cedo porque o ônibus não demorava pra chegar onde nós iriamos. Mas discussões à parte, nos encontramos para ele me levar lá e chegamos no horário certo, sem atraso nem muita espera. Ele ficou comigo lá até começar a entrevista. Queria me esperar, mas eu achei melhor não, porque ele poderia esperar muito, então ele foi assim que eu fui chamada.
Até que não me sai tão mal nessa entrevista. A mulher que me entrevistou perguntou meu nome, onde eu morava, essas coisas básicas de uma entrevista...Pediu também que eu dissesse uma frase, pra avaliar minha dicção. Acho que falei direito. Só me resta esperar, e torcer pra que desta vez eu consiga.

Paparicado por...


Reinaldo Oliveira


Não sei o que acontece com gente grande. Tem horas que eles não percebem que não gosto que me peguem toda hora, me mordam e façam gut, gut, gut. Que saco; parece que sou otário. Ah! Odeio quando pegam em minha cabeça e meu tio Reinaldo faz isso direto pra me pirraçar. Adoro ele e principalmente quando me faz cócegas e minha mãe fala:
-não faz “cosca” nele não. E ele diz: não to fazendo não.
Pra falar a verdade, gosto bastante de ser paparicado por todos eles. Hum... Quando eu tinha três meses, não faz muito tempo, pois, só tenho um ano e um mês, minha tia me acordava na madrugada, pra fazer companhia a ela.
Não gosto quando eles falam mal de meu pai. Sei que ele não é o melhor pai do mundo, vacilou ao deixar minha mãe quando ela mais precisava dele e ainda alega que não é meu pai. Mas, não cabe a nós seres humanos castigá-lo, como diz o ditado: quem faz aqui na terra, paga aqui na terra. Não gosto que falem dele porque, apesar de ser esperto, ainda sou uma criança e não quero crescer revoltado.
Essa história de meu pai é meio doida. Quando minha mãe tava grávida, ele disse uma vez que não era dele. Após meu nascimento, ele ficou todo bobo, parecia mais criança que eu. De repente deixa de ser meu pai de novo. É uma confusão, mas...
Odeio coruja, elas me dão medo. O olhar sinistro delas acho que vai me devorar. Mas minha avó é uma coruja, e adoro minha avó. Ela vai me comer? Não!!! Apesar de ser durona, ela é muito amável.
E, já tava esquecendo de falar de Mauricio, meu outro tio. Este eu não vejo muito não. Só quando ele está de folga. Quase que não o vejo. Mas, quando ele vem aqui pra casa, tiro o atrasado e meu tio Naldo ás vezes se reta comigo. Porque quando Mauricio ou Lú, como o chamamos, vem; deixo Reinaldo escorado. E fico o fim de semana todo no braço de Lú. Rsrsrsrsr não faço isso por maldade, mas, serve para descontar o que ele faz comigo. Às vezes vai pra rua e nem me dá atenção. E no fundo, sinto que ele gosta, pois ele descansa um pouco coitado, fica comigo a semana toda.
Meu tio Nei também é legal. Ele é irmão de meu pai. Gosta de mim e sempre vem me ver. Apesar de meu pai ser barbeiro, sempre corto meu cabelo na barbearia de meu tio.
Será que esqueci de falar de alguém que me paparica? Sei lá. É tanta gente que não dá pra listar todos. Mas só pra citar alguns; Lia, conceição, Cheroso, Marina,..., Bujão.
Não dá pra falar de todos. Mas uma coisa eu admito: adoro ser paparicado.

Adolescente em conflito

Midiã Santana

Mesmo querendo não me sinto bem... Como posso estar namorando alguém e não conseguir esquecer uma pessoa com que eu ficava há quatro anos atrás... Sou a infidelidade em pessoa... Sou má... Amar o errôneo... Sentimento que consome e some... Me faz imaginar que o certo é o que penso, "e quem acredita sempre alcança", ilusão essa de que o fácil é o pior, o fácil sim, às vezes é o melhor... Cabelos cacheados, loiros, desgrenhados... Porque em uma praia ou com o skate no pé, a imagem dele sempre me vem à cabeça... Lembro-me do meu pai, talvez minha incerteza em buscar aquilo que quero seja fruto de tê-lo perdido cedo? Será que a necessidade de alguém mais "maduro", na verdade, é um complexo de Édipo?

Sentimento de vazio e vulnerabilidade. Mesmo com o pé no altar e a casinha de sapê à beira do mar, eu acredito que ele é meu, aquela criatura com falha no dente não pode ser melhor do que eu... Ahhh, a esperança... PALAVRA RIDÍCULA... Esperança, coisa de gente fraca, o momento é agora... Um, dois, três... Como vou cuidar dos bichinhos com um livro em inglês... Medicina veterinária é bem mais complicada do que a humana... Me lembro do dia em que o meu último cachorro morreu, foi bem triste... Cachorro, isso que ele é, um irracional, como ele pode fazer isso comigo, sabendo que o que existe entre a gente é mais do que cumplicidade, é a construção de nossos seres, se eu sou assim é graças a ele e vice-versa... Uma pena ser adolescente e apenas ter questionamentos, onde estão minhas respostas, onde estão aqueles dreads da cor do sol... Era tão bom quando comprávamos vinho São Jorge e nos embriagávamos... Graças a ele tomei minha primeira suspensão... O errado é tão mais gostoso...

Volta ao jardim de infância

Lívia Melo

Turma de Publicidade e Propaganda, primeiro semestre de uma Faculdade qualquer. Amadurecidas pela idade e esquecidas de como era uma sala de aula, quatro moças se sentiam recém saídas de uma caverna e, ao mesmo tempo, em pleno jardim de infância. Com brincadeiras inocentes e muita vontade de aprender, a turma se dividia entre jovens e anciãs. O que fazer no meio de tanta gente capacitada no auge de sua adolescência? Jovens que tão cedo, com pouca idade, têm a oportunidade de ser alguém na vida? Como será acompanhar essa galera fervorosa cheia de gás?

Incapaz e com muito medo é o como se sentia Ivonete. Mesmo com tanta ânsia de aprender, estava ali pra se curar de uma profunda depressão, causada pela perda de sua cara metade. Quanto tempo fora, mãe de família, avó, aposentada, que loucura remeter-se a uma sala de aula, senhora distinta de cabelos grisalhos, sorriso espontâneo, uma simpatia.

Darlene, uma loira engraçada e falastrona, tinha olhos castanhos, baixinha e meio roliça, adorava imitar a maneira dos professores darem aula. Ah! Buscava há tanto tempo um diploma universitário, acompanhar o marido em qualquer de suas reuniões sem se colocar de escanteio por falta de assunto, parecia um sonho! Não ser vista mais como apenas mulher de fulano de tal e sim a publicitária Dona Darlene, como é maravilhoso! Com o marido professor muito bem empregado, fazendo sucesso por onde passa, e sem contar, no leque de amizades bastante ecléticas, queria ser vista pelo que ela representava de fato e não quem ela estava representando. Pra ela, ser uma comunicóloga era inexplicável, afinal, estava tendo um lugar perante a sociedade.

Silvia poderia ser comparada a quase uma Madre Tereza de Calcutá, se não fosse, no final de toda sua bondade, ser observada que a sardinha viria sempre pro seu lado. De quase tudo que falava, metade se desmanchava em choro. Foi eleita líder da sala, com seu jeitinho conseguia o que queria. Muitos sonhos teria realizado se não fosse o que faltava: ser mãe.

Imaginar dia e noite como seria seu rostinho, se seria ele ou ela? Pareceria com quem, mamãe ou papai? Com certeza mimaria muito! Eram os pensamentos de uma jovem com seus 33 anos e inestimável vontade do desejo de ser mãe. Enquanto esse encanto não chega, buscar uma carreira e dar asas à sua imaginação é o que fazia parte do mundo de Silvia.

Já Naza, policial nas horas vagas, tempo é o que lhe faltava, e feito uma menina, pregar peças em seus colegas e cantarolar entre um intervalo ou outro ajudava ela a esquecer metade de seus problemas. Como é suado se dividir em tantas pessoas ao mesmo tempo, ser dona de casa, trabalhar correndo atrás de bandido, tirar plantão, fazer trabalho de faculdade, dar atenção à família, mas não poderia se queixar, pois conseguiu fazer parte da concorrência no mercado de trabalho é bom pra alma. Naza se sentia em casa, mesmo sua vida sendo um tremendo corre-corre, ela estava acostumada, era uma pessoa elétrica.


Para Cassandra, tudo era mais fácil Conhecida carinhosamente pelos colegas como boca de afofo, era uma patricinha, no bom sentido, claro, família classe média, cargo de confiança e estudante dos melhores colégios. Tirava tudo de letra, a não ser o seu “Calcanhar de Aquiles”, as resenhas, das quais ela fugia como o diabo foge da cruz. Ela estava com a bola toda. Não se preocupava nem em época de prova, tudo estava na ponta da língua. Falastrona, para tudo tinha uma história. “Hora, veja só, todo mundo nesta sala gosta de falar muito e somente eu tenho boca de afofo, será que se comunicar demais é tão ruim assim? Não ter medo das reações que provoca nas pessoas, falar o que pensa e estar sempre em contato com tudo e todos?”. Sem se preocupar muito com as opiniões alheias, mandava ver e soltava o verbo.


As dificuldades foram muitas, porém todas tiraram de letra e, no final, fizeram daquele grupo de mulheres experientes, verdadeiras adolescentes em busca de um sonho que já não era mais distante: a independência e o posicionamento na sociedade em ter uma carreira promissora.

Santo Amaro tá que é só alegria!!!

Rafaela Anunciação

- A senhora está alegre? - pergunta a repórter.

- Não sei dizer o que estou sentindo, se alegria, se tristeza, se felicidade...Sei que estou sentindo tudo junto. Não sei explicar.

É assim que Canô Veloso, ou melhor, D. Canô, a pequenina mulher, com um sorriso carinhoso, olhar terno, voz mansa e jeitinho simples de quem mora no interior, define o que estava sentindo num dia tão gostoso, para ela e para aqueles que a conhecem e admiram. Graças a ela, temos o privilégio - para alguns pelo menos - de ouvir a melodia da voz de Caetano e o firme soar das notas cantadas por Maria Bethânia.

Vestida toda de branco, como tradicionalmente, a virginiana mais antiga da família Veloso passeia pelas ruas de paralepípedos desalinhados com a ajuda de alguns amigos e se dirige à igreja Nossa Senhora da Purificação, onde será realizada uma missa de ação de graças pelos seus 100 anos vividos, aparentemente, com muito orgulho.

- Mainha, não encontrei a senhora no caminho! Bença maínha! - fala Caetano, com seu legítimo sotaque de "baianinho arretado de Santo Amaro", bem arrastado e preguiçoso. O abraço é dado logo em seguida e ele precisa quase se ajoelhar para isso.

- Parabéns viu minha mãe!

E ela retribui com um abraço que apresenta um misto de fortaleza, sinceridade, amor e sensibilidade.

E a caminhada prossegue rumo à igreja. Lá, o arcebispo D. Geraldo Magela aguarda a aniversariante para iniciar a celebração. Bênçãos proferidas e pedidos de mais longos e duradouros cem anos concluídos, D.Canô recebe ainda a homenagem de Bethânia que canta junto com o coralzinho da igreja. Emocionada, como não podia deixar de ser, elogia sua mãe com o orgulho de quem ganha um troféu. E realmente ganha, afinal, não é todo dia que alguém pode abraçar uma mãe que completa cem anos.

Gilberto Gil, Regina Casé, Margareth Menezes, Paulo Souto, o governador Jacques Wagner, os representantes da família ACM, marcam presença no aniversário de D. Canô.

A festa é aberta para parentes e amigos íntimos que festejaram com ela toda "intimidade" desse momento.

Minha vida de gato

Acordo tarde, já começa o dia e eu me espreguiçando bastante, adoro dormi na cama dos outros, sou um pouco lento, mais só um pouco, detesto água mais sou muito limpinho, todo mundo quer pegar em mim, mas não gosto muito desse contato o tempo todo, meu banho de língua encanta qualquer um, vivo brincando com a minha bola de lã e quando fico enjoado deito e durmo, como infelizmente não moro sozinho tenho que preservar alguns atos íntimos meus, sou exigente e minha comida tem que estar pronta quando chego do meu passeio diurno, nem gosto de implora por carinho, simplesmente consigo ser dengoso e quando menos esperam, estou deitado no colo ou no sofá de alguém, fico mais próximo de quem mais me dá comida, tempo frio não é comigo, não gosto de sair pra baladas noturnas, é só escurecer que eu já fico deitado no tapete bem quentinho e estirado, sou esperto e faço todos gostarem de mim, pois não dou trabalho, me acho tão esperto e bonito que ficar gastando minha voz de locutor é um desperdício, mesmo sem saber ler esses livros que os humanos lêem, sou bastante inteligente, me tratam tão bem e eu não preciso fazer nada, já o puxa saco do FM, o cachorro que mora na mesma casa que eu vivo, fica o tempo todo no pé pedindo carinho e só recebe carão, sai até na chuva quando os humanos chegam, e se por um acaso tiver um assalto na casa, ele vai ser o primeiro a morrer, vive metendo o focinho onde não é chamado e quer defender Deus e o mundo, até parece! Sou mais eu, se isso acontecer, vai ser o assaltante entrando pela porta e eu saindo pela janela, depois cronômetro um espaço de tempo de três horas pra voltar com segurança e chego como se nada tivesse acontecido, do tipo que fala: Olha o que aconteceu? Nossa que fez isso? Se todo mundo parar pra pensar comigo, vai enxergar que eu não tenho sete vidas a toa.

Sábado também é cotidiano.

O primeiro despertador, como de costume, tocou às 5h40, como também de costume desliguei-o para dormir “só mais um pouquinho”. Então, 20 minutos depois, chegou a vez do segundo e definitivo, aquele que costumo chamar de mãe, já que a minha, todas as noites, toma remédio para dormir por causa do tratamento que está fazendo para a síndrome do pânico. “Doença de rico, chata!”, ela costuma dizer.

Então, quando esse desperta às 6h, de segunda a sábado, de ímpeto levanto-me. Espreguicei-me, olhei para Mustafá, que dormia do lado dele da cama (é sempre o esquerdo), dei um beijo nele e disse:

- Bebê, mamãe ama muito você!

O ventilador continua ligado, pois meu gatinho não gosta de dormir sem o ventilador, não acho justo desligá-lo enquanto ele ainda dorme, até porquê quem tem obrigações ali para cumprir sou eu e não ele (aliás, nem podia, lembro-me nesse momento que ele é um animal). Acendi a luz, peguei a roupa que vou usar, sapatos, acessórios (essa é a parte mais complicada, pois acho que o que completa o meu figurino são os acessórios. E, diga-se de passagem, são umas das minhas “fúteis” paixões), maquiagem, desodorante, hidratante, creme para pentear os cabelos, escova, pente e olho a bolsinha que já tinha arrumado no dia anterior com a revista, uma série de textos que foi emprestado por uma amiga, meu pequeno caderno do banco Bradesco, que levo para onde for. Aí penso que esse caderno serve para todos os tipos de anotações, desde as aulas que assisto na faculdade, de prospecção dos clientes do meu trabalho e até mesmo para anotar as contas que tenho à pagar. Dou um leve sorriso e olho o relógio, já são 6h10, é hora de adiantar.

Vou ao banheiro para fazer as primeiras atividades que faço nele, escovar os dentes, lavar o rosto etc... Saio em direção à cozinha, antes passo na frente do espelho que fica na sala e olho meu rosto: “nossa, que cara de sono”, penso! Ao cruzar o corredor que divide a sala da cozinha e que tem, nas laterais, os quartos da casa, o meu, o da minha mãe e o que era do meu irmão, mas que agora transformou-se na suíte dos hóspedes. Acho um desaforo, minha mãe não deixou que eu trocasse de quarto. Poxa vida, o meu não tem banheiro, eu queria mesmo era ir pra lá. Na verdade, acho que ela tem esperanças que meu irmão volte para casa. Ela ainda não conseguiu aceitar que ele, há três meses, decidiu morar com a esposa e com o filho em um lugar onde tenham privacidade.

Alheia a esses pensamentos em frente ao quarto “dele”, que estava com a porta fechada, fui despertada com essa mesma porta abrindo. Era Júnior, um garoto de 18 anos, que é voluntário, junto com minha mãe, de uma instituição que trata crianças com câncer. Minha mãe tem Júnior como um garoto com quem ela pode contar para tudo. Júnior estava acordando para terminar de limpar o nosso terreno que fica ao lado casa. Ele olha para mim, diz bom dia e vai para o banheiro enquanto eu chego na cozinha para preparar meu café da manhã. Aliás, não gosto desse nome, café da manhã, acho limitado demais, pois não tomo café. Gostaria que o nome fosse suco da manhã, soa até melhor ao dizer.

Abri a porta do freezer e peguei uma polpa de cajá, preparei meu suco sempre com adoçante e, enquanto o liquidificador estava ligando, preparava duas fatias de pão integral com gergelim e queijo minas (gosto muito) e coloquei na sanduicheira. Fui na varanda cumprimentar meus três cachorros, com carinhos na cabeça, e perguntei a Júnior se ele queria tomar café. Ele respondeu que, naquele momento, não. Lembrei que o liquidificador ainda estava ligado, voltei para cozinha desliguei-o. Tirei meu sanduíche, coloquei em um pratinho, peguei o suco que já estava no meu copo cor laranja, que eu adoro, e sentei a mesa da copa. Liguei o rádio, que fica sintonizado na emissora que mais gosto, e comecei a tomar meu café, ou melhor, “suco da manhã”. Naquele instante tocou uma música da qual gosto bastante, chamada Lugares proibidos. Lembrei que, no fim de semana passado, fiquei com o rádio ligado o tempo todo esperando que ela tocasse, pois queria que Sheila (minha amiga) a ouvisse e, é claro, só porquê eu queria muito ela não tocou!

Terminei de comer às 6h25 e fui direto para o banheiro. É claro que não lavei a louça, pois as dorminhocas (minha mãe e irmã) estão em casa e, quando acordarem, vão fazer isso. No banho, levei vinte minutos, adoro tomar banho quente e, às vezes, acabo perdendo noção do tempo. Saí do banheiro e fui para meu quarto. Nessa hora Mustafá acordou, olhou para mim, bocejou e, é claro, começou a miar pedindo que eu lhe trouxesse a ração. Pensei: “que gato folgado”. Voltei para a copa, peguei o pratinho dele com desenhos de cachorrinhos, mas que ele adora, e levei para o quarto. Ele desceu da cama e foi comer enquanto eu começava a me vestir. Em 30 minutos estava pronta para sair de casa, mas não faço isso sem antes entrar no quarto da minha mãe e falar com ela, mesmo que ela não escute. Normalmente, quem responde é minha irmã, que dorme com ela desde que meus pais se separaram há quase sete anos.

Mustafá, mais uma vez, chama minha atenção, dentro do quarto da minha mãe, miando pedindo para que eu abra a porta do banheiro do quarto. Eu, lógico, abro, porque sei que ele vai beber água. Mustafá só toma água do chão do banheiro, não sei porque ele adquiriu essa mania bizarra. Deixei ele lá, fechei a porta do quarto, pois sei que ele vai voltar para a cama e dormir. Dessa vez, ele vai dormir entre minha mãe e minha irmã.

Abro o portão da sala que dá acesso a varanda e brigo com os cachorros, pois eles querem pular em mim. Despeço-me de Júnior e saio de casa às 7h15. Vou para o ponto de ônibus. No entanto, lembro que tenho que passar na casa de Silvia e deixar o alicate de unha que Sheila me emprestou. Quando já estava em frente a casa de Silvia liguei para o celular dela e mandei ela abrir a porta, coitada, eu a tirei da cama. Conversamos um pouco, acendi um cigarrinho e fui para o ponto de ônibus, já imaginando que estava atrasada e que provavelmente o ônibus passara. Começou a chover, pensei: “que droga, até no sábado São Pedro não libera” e ainda para piorar estava sem guarda-chuva, a sorte é que já estava chegando.

No ponto, dei bom dia a um senhor e perguntei se o campo grande já tinha passado, respondeu-me que sim. Não fiquei chateada porque achei que logo outro viria. Fiquei olhando para a praça que fica na frente, olhando os garis recolhendo o lixo de alguma festa inédita que teve lá ontem e que até o momento eu não sabia qual era. Olhei também a estátua de Vinicius de Moraes, dono daquela praça no farol de itapuã. Fui retirada dos meus pensamentos por Valdelice, uma vizinha com a qual não tenho muito contato, mas sempre que nos encontramos temos muito para conversar. Ficamos lá por volta de trinta minutos esperando nossos respectivos ônibus atrasados. Às 8h10 o meu passou, despedi-me dela e vim para a faculdade, pensando que o professor ia me “fuzilar” com os olhos quando eu chegasse.

Sentei-me na cadeira da frente, a que tem apenas um acento. Sei que ela é reservada para deficientes físicos e idosos, mas adoro ficar ali e quando vejo que ela está vazia e que as outras de preferência também estão vou direto para lá. Tirei os textos da bolsinha e comecei a ler alguns sobre jornalismo literário, depois peguei a minha Piauí e li uma matéria sobre um cachorrinho sadomasoquista, dei muita risada.

Quando percebi já estava no Rio Vermelho, guardei meu óculos na caixinha e coloquei a revista na bolsinha, estava perto da faculdade e quando peguei o celular na bolsa para ver as horas, pensei: “que chato, mas estou super atrasada”! Desci no ponto e vim em direção a faculdade, chegando encontrei a colega de Sala Isis, que também estava atrasada. Nos olhamos, demos risadas e comentamos do nosso atraso nos insentando da culpa de chegar atrasada sozinhas! Isis foi direto para a sala e eu passei na biblioteca. Quando entrei, com a maior “cara-de-pau” disse boa tarde, o professor riu e sentei-me no fundo da sala. Perguntei para Isis se ele reclamou com ela, a mesma disse que a cumprimentou com a minha frase. Olhei para o quadro e percebi que ele tinha passado atividades. Sentei-me em frente ao computador e começei a fazer a tividade, esperando o restante do dia pois, como estou falando de cotidiano não poderia esquecer que hoje é sábado e o mundo e os amigos lá foram com toda certeza me esperam...

Uma cunhada ciumenta

Ah, sair com o namorado da minha irmã nunca foi meu forte. Há uns anos atrás tinha ficado atracada na perna de um desses namorados e atrapalhava todo beijo que ele tentava dar nela. Por mim ela não arranjaria nenhum namorado mas se bem que dessa vez é bom porque ela vai vir morar aqui com a gente por causa dele. Ele merece um voto de confiança. Conheci quatro namorados da minha irmã. O primeiro deles foi um com um nome esquisito, lembrava... salmão!Ele também era esquisito mas dizer o que né?!Minha irmã também. Com aquelas calças folgadas que davam três Drielys dentro. Só se vestia de preto, tocava bateria e balançava a cabeça quando ouvia aquelas músicas que doía meu ouvido. Conhecia também o Júnior que me dava marshmallows pra que eu não contasse pro papai das beijocas deles dois. Depois foi o Luis. Não gosto dele. Eu e o papai colocamos o apelido dele de chiclete porque encheu o saco da minha irmã numa vez que ela teve aqui. Mas não guardo mágoas. Só não quero ele como cunhado.Égua!Já até me perdi. Ah,o namorado da minha irmã. O de agora é o Paulo Henrique, que não é tão de agora por que minha irmã gosta dele desde sempre. Lembro uma vez que a gente tava sentada na frente da casa da vovó e ele passou com uma menina. Eras da minha irmã!Chorou muito. Lembro do papai conversando com ela mas não sei o que eles falaram porque o papai não deixou eu ficar lá. Sim eu tenho uma boa memória, mesmo com 11 anos. Tá o assunto não é esse, o assunto é a saída com o namorado da minha irmã.
Fomos para o Castanheira que é o shopping que fica atrás da casa da vovó. Não na verdade a casa da vovó fica atrás do Castanheira porque o shopping não é o quintal da vovó. Tá. Fomos lá para assistir O Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado. Minha irmã ia com o Paulo Henrique e a Tiça (prima nossa) aí disse que queria ir também. Papai que não é besta nem nada mandou ela me levar pra fiscalizar ele. Eu que quero ser advogada adorei a missão! Ia poder acusar ele de abusar da minha irmã. Então fomos. Os quatro. A Tiça na frente porque estava chorando e eu não sabia porque. Minha irmã e meu cunhado sabiam mas porque eu sou uma criança ninguém quis me contar. Adultos...acham que escondem tudo da gente. Quando chegamos no shopping eles decidiram entre eles que não iam assistir e minha irmã com todo aquele jeito carinhoso de quem vai contar uma coisa ruim mas não quer que eu fique brava, me disse:

- Minha princesa, não vai dar pra gente assistir

Bom, ela faz isso muito bem. Consegue fazer a cara do gato de botas melhor do que eu a danada. Então voltamos pra casa. No caminho nos perdemos da Tiça. Ficamos sentados no banco do shopping. Eu só olhava pra ele. O cara que estava roubando a atenção da minha irmã de mim. Esperamos um pouco sentados, depois esperamos na frente da parte de trás do shopping. Os três em pé. Ele estava encostado numa cerca de ferro e minha irmã encostada nele. Que ciúme! Aí ela deu um beijo nele e depois me olhou. Rimos juntas porque ela sabia o que estava pensando:

-Vou contar pro papai!

Ele riu também. Não sei se percebeu mas foi a partir daí que fui com a cara dele. Quando fomos embora minha mana com todo aquele jeito de mãe me mandou segurar na mão do Paulo Henrique para não ficar do lado da rua. Aí fomos. Ele e suas duas mulheres. Lembro quando ele disse “to bem hein”. Me senti. Ele não é feio. É ele tava bem,com essas duas gatas ele tava bem. Depois desse dia passei a falar com ele todo dia. E ele sempre sorrindo. Gosto de quem sorri. Principalmente quem faz a pessoa que amo sorrir.

Artimanhas infantis

Alice Coelho

Pensava em como convencer a tia a deixá-la ficar. Já tinha percebido que no mundo dos adultos tudo é mais complicado: uns dias não querem, outros não podem, outros criança não entra, enfim, ela queria só um pouco de atenção e aconchego para matar a saudade. Sabia que, se fizesse a fatídica pergunta, correria o risco de ouvir um "sim, estou ocupada". Então a estratégia tinha de ser outra: Vim ficar com você, te fazer companhia.

A tia que não agüenta um dengo de suas sobrinhas, tão prontamente recebe o carinho, abraçou, beijou, fez cócegas. Emily não parava de dar risada. Naquele domingo monótono, ela tinha que encontrar um espaço para ser feliz. Daí então a consciência apertou e teve que soltar a pergunta que o pai a mandou fazer antes de sair de casa.

-Tia, meu pai disse prá eu perguntar se a senhora estava ocupada", disse ela sorrateiramente.

- Agora não meu amor, responde a tia, já prevenindo que a festa não duraria tanto tempo.

Gostando do aconchego, a menina de 6 anos percebeu que as coisas podiam ficar melhores. E resolveu sugerir de forma bem sutil que ela e a tia assistissem a um filme infantil.

- Tia, eu tenho tanto filme lá em casa. A senhora não quer assistir o filme do Pluto, não?

Na verdade, quem estava ansiosa por re-reassistir o Pluto era a própria. Sim, assistir de novo e de novo, porque ela , como faz com todos os filmes, assiste e reassiste e assiste novamente para não perder o costume.

A tia resolve ceder.

- Tudo bem meu amor, vá buscar seu filme.

Em instantes, com a cara mais moleca do mundo, volta com o DVD na mão. A tia coloca o filme e sai em direção à cozinha. Percebendo que ia sair algo de bom, a menina sai atrás da tia feito sombra. De repente, a figura feminina que seguia a sua frente simbolizou comidas diferentes, balas, refrigerantes e doces. Já pensando como ia pedir, esboça um sorriso maroto e pergunta o que a tia está bebendo. Não é preciso falar mais nada. Pedido entendido.

- Só não pode beber gelado. Espera um pouco, ok?

Para uma criança ficar feliz coisas simples bastam. Um filme bobo, um copo de refrigerante, seguido de balas e doces. Isso é suficiente para que a menina se sinta no céu. E aí resolve compensar a tia. Pensou em fazer uma carta, daquelas cheias de desenho. E fez. Mas isso não bastou. Fez outra e mais outra. Tudo para Emily não pode ser só um. Se for um só não tem graça.

ATIVIDADE OBRIGATÓRIA

CAFÉ COM PROSA DIA 25 DE SETEMBRO, SALA 00, às 18h30, PRÉDIO CENTRAL DA FSBA

NAS FILIGRANAS DO FATO E DA FICÇÃO: REFLEXÕES SOBRE JORNALISMO LITERÁRIO


No cotidiano do processo ensino-aprendizagem na esfera do curso de Jornalismo, é comum estudantes e orientadores depararem-se com dúvidas e angústias relativas à possibilidade de mesclar textualmente técnicas circunscritas ao universo do discurso jornalístico com técnicas literárias. Na tentativa de promover uma discussão mais ampla acerca dessa difícil questão é que o Café com Prosa apresenta uma edição centrada na abertura de possibilidades que a literatura pode oferecer aos padrões insistentemente reproduzidos pela atividade jornalística da grande mídia. Além disso, consideramos que a literatura pode auxiliar no desenvolvimento de alternativas de atitude do profissional de jornalismo frente à realidade.

Convidados:

Prof. Dr. Igor Rossoni
Professor, escritor e ensaísta, possui graduação em Arquitetura, mestrado e doutorado em Letras. É professor de graduação e pós-graduação do Instituto de Letras da UFBA.

Pablo Reis
Jornalista graduado pela Facom/Ufba, repórter do Correio Repórter, do Correio da Bahia, aluno da pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo.

Priscila Natividade
Jornalista graduada pela FSBA, aluna de pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo, desenvolve trabalhos na área fronteiriça entre Jornalismo e Literatura.

Minha dona, minha companheira


Paloma Batista
Au-au... sinto de longe o cheiro de minha dona. Sei que ela está chegando. Meu rabo involuntariamente já começa a balançar. Sei que ela odeia meus latidos, mas não consigo contê-los. Quando percebo a chave entrando na fechadura já começo a pular feito um canguru e quando a vejo começo a pular nela. Ela só me deu um bom dia! Nem fez festa pra mim, como fiz pra ela, foi direto para o seu quarto. Continuo insistindo vou atrás dela... pulo em sua cama... de repente escuto um “desce da cama”. Ela fica o dia inteiro fora e quando chega não me dá o mínimo de atenção, como pode isso? Resolvo não insistir mais, pelo menos por um tempinho. Vou para o meu cantinho ficar quieta... de tanto morder o meu bonequinho, fico com sede... meu pratinho está sem água. Vou até o quarto dela, percebo que está assistindo televisão. Começo a latir pra chamar a sua atenção... subo e desço da cama em uma velocidade impressionante, até que ela resolve se levantar e ir ver o que é. Fico ao lado do meu prato, cheirando, logo ela percebe. Depois ainda dizem que cão não pensa! Na volta já vou com ela para o quarto. Subo na cama e pulo em cima da sua barriga, começo a lhe lamber e a fazer carinho... logo sinto a sua mão passar entre meus pêlos e fico mole... Depois de um tempo ela pára... começo a insistir com a minha patinha pra que ela continue e escuto um “não pode dar a mão que você já quer o corpo inteiro”. Percebo que ela já está com sono e num último movimento ela me abraça, como se eu fosse seu ursinho de pelúcia na infância. Adormeço ali, nos seus braços.

Confissões de um cachorro

Por Emerson Santos



Ai que vidão que eu tenho! Me dão carinho, me dão comidinha muitas vezes na boca e eu adoro, só queria comer mais comidinha de gente, porque aquelas coisinhas em forma de bolinha e ossinhos, são ruins de mais, muito seco!!! durmo a tarde toda e de noite tenho muita energia, gosto de chamar a atenção dos outros, quero carinho, conforto e tudo mais! Poxa, porque não entendem às vezes o que eu quero dizer, eu falo, falo, e ninguém entende, língua mais doidas eles falam, cheio de sons estranhos, minha fala, que eles dizem que são latidos, é mais interessante, eles são é estranhos em? tem horas que eu não tou com saco pra nada, nada mesmo... me tratam como se eu fosse um idiota, bestalhado, eu em! quem entende esses humanos? eu é que não vou me esforçar pra entender eles, que nada!!! Eles não fazem esforço nenhum pra me entender, me dar o que eu quero.... é por isso que eu mordo, mordo forte mesmo... fico estressado, rasgo as almofadas do sofá mesmo, arranho a perna da mesa mesmo, ué!? Ninguém faz o que eu mando!!!! que droga!! O quê?? Au au pra você também cara pálida!! Não me deixam nem eu pegar as cachorrinhas que passam, e o rastro? Marco o meu território mesmo, pra todo mundo ver quem é que manda no pedaço... o gostosão aqui ó? Aqui mesmo, olhando pra você ai em frente a tv vendo as coisas doidas, eu já disse pra não pegar no meu lindo rabo, ai ai ai, que besta meu!! Pega no seu porra, eu em!!! ah sacana... pegou minha comida né seu rato miserável, vou falar com o mimoso, o gato meu vizinho de quintal, ele vai te estraçalhar todo, não vai sobrar nadica de você!! É o que? Pensa que é o Michey Mouse é?? Eu vou te dizer o que vai ser a Disney pra você, o inferno, seu rato de esgoto idiota, você vai ver, seus dias estão contados, vai virar comida de gato!! Fala sério, eu também não gosto de gatos não, eles são muito bobos, imbecis... o único que eu tenho uma certa ligação é o Mimoso, isso só porque ele me ajuda com ratos ladrões... digamos que ele é meu sócio!! Que nada, eu quero é curtir na rua, corta essa de ficar em casa no quintal! Quando saio, é com uma corda no pescoço, se querem me enforcar , que façam de uma vez porra!! Que humilhação!!! acho que dever ser bom ser livre como os vira-latas, é mais eles comem no lixo, tem que dividir entre eles, é elhor eu ficar aqui no meu cantinho mesmo, com minha vida de cão de casa, não de guarda, porque eu não trabalho de graça não!! Ué!! Me deixa latir porra? Ou melhor, falar alto né, fico uivando pra chamar a atenção né, e mostrar que eu tou aqui também na minha área, gente de fora, já viu né? É briga na certa!! Esses cachorros e pessoas de outras bandas, de outros lugares que nem sei onde fica!! tira essa menina daqui!! Que garota chata né, fica me pegando e levando pra lá e pra cá como se eu fosse uma boneca de pano!! Eu quero o meu osso viu? Vou enterrar logo dois, é isso mesmo, esconder, nunca se sabe o dia de amanhã, nem sei quando vou morder outro osso!!! Roer é muito bom, meus dentes ficam afiadíssimos!! Fiz cocô mesmo, agora limpe! Você não fica dizendo que é meu dono! Pera aí!! Não sou propriedade de ninguém, veja isso viu? Ó o meu xixi no tapete ai ó!! É melhor limpar porque senão sua mãe vai ficar uma fera, vai logo vai!! Vou deitar e não quero nenhuma palavra, ok? Pulgas??? Elas são canibais mesmo, fazer o que, nem consigo vê elas direito, coloquem remédio logo viu!!! Depois não reclama... aqui estou eu, na minha casinha apertada, deitado num pano, no quintal!!que vida em?

A borboleta que um dia foi casulo

Era uma vez um casulo muito novo e escuro. Vivia sufocado pela dúvida, a esperar pelo dia que transformaria sua angústia em borboleta. Não sabia o que esperava do lado de fora, mas almejava exaustivamente pela tal mudança. Mal sabia ele que precisaria esperar da natureza a decisão do primeiro bater de asas. Não, o casulo não esperou a ordem natural das coisas e simplesmente seguiu rumo ao inesperado: o dia que se transformara na borboleta Luana. Depois do seu primeiro vôo, ela foi triste. Vivia se culpando pela morte do casulo, até descobrir que foi preciso um fim para sua vida começar.


A história da Lua


Não. Isso não é mais uma fábula. Não falarei que a Lua escondeu-se atrás do sol, para dizer que Luana um dia foi Nivaldo. Nunca foi uma borboleta, mas deu seu primeiro vôo quando ainda era criança. Nunca foi um satélite natural, mas já precisou do calor do sol para se aquecer. Quebrou as asas, sentiu frio.

O pai negou-lhe abrigo ao descobrir que o garoto negro, forte e alto para aquela idade já se desvendara como uma “moça”. Presenciou uma troca de carinhos entre Nivaldo e o filho de seu chefe. Desde então, Nivaldo não tinha mais nada, além de nove anos e uma crise de identidade. Justifica sua história afirmando que “a alma é feminina, coisa que nasce com a gente, sabe?”. A alma não lhe bastava naquele momento. O único apoio veio da mãe. Fez o que pôde para o filho ir morar, pelo menos, com os avós, mas antes algumas surras foram suficientes para que sua mente pueril entendesse que fizera algo incomum. Os avós acolheram. Os avós maltrataram. Até se descobrir como Luana, era mais conhecido como “aberração”. Só depois de alguns anos entendeu que o incômodo de ter aquela aparência, usar aquelas roupas e ter aquele nome tinham outro significado. “Nivaldo morreu desde aquele dia, mas só foi enterrado quando eu tinha uns 15 anos”. Nasce Luana. Morre a avó.

O avô não aceitava o fato de ter um neto que já usava brincos e furtava algumas roupas da falecida avó. Luana não queria mais ter marcas do passado. Saiu do casulo e voou até Nazaré das Farinhas. Ao contar as histórias esforça-se para falar com naturalidade. Retêm a lágrima densa que insiste beirar as pálpebras. Sorri, gesticula. A lágrima cai e a máscara para cílios deixa uma mancha bucólica na face. Ela vira o rosto, como se o passado merecesse morrer de sede. Diz não ter vontade de ver a família novamente, mas quando fala da mãe os olhos ganham um brilho especial. “Ela aceitava tudo que meu pai dizia. Isso é o que me dói”. O tom da voz e o olhar desviado para o solo demonstravam que ela perdoaria a mãe. Hoje muitos quilômetros de distância a separam da dor. A família deve continuar morando em Governador Mangabeira. Luana já escondeu-se na carcaça de um carro velho. Ganhou um novo abrigo no ferro velho da cidade. Um Chevete já sem cor, sem vidros, bancos e sem esperanças. Às vezes ela acordava com um pesadelo ou com um tapa nos pés, que escapuliam para o vazio, onde deveria ter uma porta. Deve ser alguém caçoando daquele personagem singular do conservador interior de Nazaré. Hoje, ela mora num quarto retangular, doado, de alguns metros quadrados dispensáveis: só cabe a cama. É assim que vive Luana, entre piadas e caridades. Movida pela vaidade e pelo deslumbre, ela pede roupas e bijuterias para as madames da cidade. Vez ou outra ganha um belo vestido. Vez ou outra ganha uma risada de deboche. Finge nunca ligar para as desfeitas e oculta-se em críticas. “Você está muito magra!”, disse-me certa vez quando disse não ter um brinco dourado.

Luana também é esguia. Na cintura pouco curvada notam-se alguns músculos indesejáveis que tenta corrigir com doses de hormônio feminino. Os seios querem brotar, mas ainda são murchos, largos e odiados. Ameniza o problema com um sutiã de enchimento. Estica os cabelos crespos e usa-o lambido, escondendo parte da face. Para encobrir o sexo, usa uma calcinha apertada. Esconde dos outros e de si mesma. A anatomia confronta com sua identidade sexual. É um paradoxo inaceitável. Por alguns especialistas ela seria classificada como transexual, mas ela descarta rotulações do gênero. Esconde a carteira de identidade. Por sorte quase não a utiliza. Não tem cartões de crédito, tampouco vale-se do número de RG. Livra-se do sofrimento. “Não, meu nome é Luana!” Responderia aborrecida a maldita pergunta que tanto a maltrata. Algumas beatas da cidade a pirraçam referindo-se pelo nome masculino. Luana simplesmente continua com o seu andar. As “cadeiras” parecem soltar-lhe, o coração parece explodir. Ela chora por dentro.

Tem coração, mas prefere mudar de assunto quando é questionada a respeito. Diz já ter passeado com alguns homens de posse da cidade. A sua introversão é sinônimo de descontentamento. “Sou uma mulher que gosta de homem. Não um homem que gosta de homem!!”, sua fala demonstra uma visão preconceituosa, para quem sofre de tal. Sofre. Sofre intensamente por ser quem não queria, por não ser aceita como queria. Talvez nem todos entendam que Luana nasceu casulo, para, enfim, voar como borboleta.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Palestra "Jornalismo Investigativo" com Leandro Fortes

O correspondente da Carta Capital em Brasília, Leandro Fortes, é o convidado da terceira edição do Pílulas do Conhecimento de 2007. Com o tema "Jornalismo Investigativo", Fortes irá falar sobre os riscos, a ética e as premissas de uma boa investigação. A palestra será no próximo dia 24 (segunda-feira), às 11h, no auditório da Faculdade de Comunicação da UFBA.Com 21 anos de profissão, Fortes já atuou em Salvador como repórter da Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia e TV Itapoan. Em Brasília, atuou no Correio Braziliense e nas sucursais de O Estado de S.Paulo, Zero Hora, Jornal do Brasil, O Globo, revista Época e TV Globo. Além disso, o jornalista também é autor de livros como "Cayman: O Dossiê do Medo" (2002, Editora Record), "Fragmentos da Grande Guerra" (2004, Editora Record) e "Jornalismo Investigativo" (2005, Editora Contexto).

O projeto Pílulas do Conhecimento é produzido pelo Petcom, o Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação da UFBA. Realizado desde 2004, o Pílulas é um evento aberto ao público, que procura trazer convidados para apresentar temas pertinentes à comunidade acadêmica na área de comunicação.

O quê: Pílulas do Conhecimento (Palestra com Leandro Fortes).
Quando: 24/09 (segunda-feira), às 11h.
Onde: Auditório da Faculdade de Comunicação da UFBA.
Quanto: Gratuito.
Mais informações: (71) 3283-6186 / petcom@ufba.br

O peido no trem

Márcia Barreto
Brás para São Caetano, 17h30. Horário de pico em São Paulo. Um empurra- empurra, trem super lotado, a disputa por um lugar, não dava para mexer o pé. Era o início de uma viagem engraçada, batizada com o nome “o dia do peido de tia Márcia”.

Márcia Barreto, Gabriel Takeo e Camila Pinheiro são primos inseparáveis. Arrumadinhos, cheirosinhos e felizes, iam para o forró no dia 20 de junho de 2003 na cidade de São Caetano/SP. Pegaram o metrô na estação Itaquera, que ia para o Brás, e de lá tomaram o trem rumo a São Caetano. Ainda na estação do Brás, Márcia sugeriu carregar Gabriel, de apenas 3 anos, no colo durante a viagem até São Caetano. Ao lembrar que aquele horário seria difícil fazer a viagem sentados. O trem cheio seria um sofrimento principalmente para Gabriel. Falou Márcia ao “rapaz” Gabriel:

- Biel quando o trem chegar aqui na estação você vai no meu colo.

Ele respondeu irritado:

- Não quero que você me carregue, tia Márcia! Sou único homem e vou tomar conta de você e da minha irmã Camila.

Diante da revolta do pequeno rapaz, Márcia, Camila e as pessoas que estavam na fila acharam engraçada a tamanha irreverência do pequeno e deram risada. Isso deixou Gabriel extremamente aborrecido. Já que se considerava um homem e não queria ser tratado como criança.
Com a chegada do trem as pessoas desembarcaram. Os que estavam na fila só poderiam embarcar após todo desembarque. À proporção que as pessoas desciam do trem a esperança de surgir um lugar para acomodar o pequeno homem aumentava, o coração batia mais forte. Mas na hora do embarque veio à confirmação não tinha lugar e em fração de segundo lotou de tal forma que não dava nem para virar o pescoço. A preocupação com o pequeno Biel foi aumentando a cada passageiro que entrava no trem e as argumentações feitas por Márcia e Camila foram inúmeras.

Tentava Camila convencer o irmão de que aquela seria a melhor solução para ele:

- Biel se você não quer o colo de tia Márcia, venha para o meu. Se você for em pé vai ficar espremido. Podem pisar no seu pé e machucar.

- Venha Biel. Bi, fique no colo de tia Márcia, o trem está muito cheio e vão machucar você.

- Não quero, tia Márcia. Você é chata. Já disse que não vou.

O menino estava irredutível. Mesmo assim, Márcia insistiu várias vezes, calmamente, no intuito de convencer o garoto. Sem sucesso. Os três já dentro doquele trem abarrotado seguiram viagem. O trem sacolejava de lá, de cá. Só quem viajava próxima a janela podia desfrutar da paisagem, apesar de não ter muitas belezas naturais. Durante o trajeto a vista era de fábricas abandonadas, outras em pleno vapor, construções de casas na margem da linha do trem e em muitos trechos o cenário era de extrema pobreza. Ao olhar para baixo, Márcia viu aquele toco de gente espremido naquela multidão disputando um lugar com os demais passageiros, diga- se de passagem, todos adultos. Ele retribuía o olhar com um sorriso lindo no rosto. Uma felicidade. Para Gabriel passear com “Tia Márcia” era maravilhoso, ainda mais em companhia de sua irmã Camila. Era o trio maravilha. Eram parceiros inseparáveis. Tia Márcia por sua vez sempre paciente e amorosa, não via a hora daquela viagem chegar ao fim para tirar o pequeno daquele sofrimento. Gabriel ia curtindo a opção dele de viajar em pé no meio da multidão como um “homem grande”. O trem parou na primeira estação. As portas abriram pessoas embarcaram outras desembarcaram. O máquinista fechou as portas, deu o sinal e partiu. Depois de mais ou menos cinco minutos de viagem o trem chega na estação seguinte. Mais passageiros desembarcaram e embarcaram. O trem deu a partida. Mais uns seis minuto, já bem perto da estação de São Caetano, subiu um mau cheiro. Eis a conclusão: alguém peidou. Quando Márcia sentiu aquele fedor podre só tinha uma preocupação. O pequeno homem que, pelo tamanho, ficava na bunda das pessoas. Logo pensou a Tia, se foi um sacana desse que estar próximo a Gabriel, coitado do bichinho, está recebendo na cara. Naquela altura todos permaneciam paralisados, ninguém olhava para ninguém. Menos o garoto, que tentou mudar de lugar e não conseguiu de jeito nenhum. A raiva foi tomando conta do garoto. Quando Márcia olhou, a raiva pulava dos seus olhos do menino. Márcia num esforço enorme, pisando no pé das pessoas, se espremeu até que conseguiu pegar na mão de Gabriel e disse:

- Venha meu amor, para minha frente.

Com muita raiva, ele gritou:

- Não vou ficar perto de você. Tia Márcia você peidou aqui no trem. Você é chata.

Surpresa, Márcia tentou controlar o menino, que fala, gritava, mas não teve jeito, ele continuava gritando. Tapando o nariz com seus pequeninos dedos. Fazendo movimentos com as mãos para gerar vento e espantar o fedor do nariz. Ao lado Camila, quase sem conseguir falar de tanto dar risada, pedia para o garoto calar a boca insistentemente:

- Gabriel pare com isso. Não foi Tia Márcia que peidou. Cale a boca! Cale a boca! Biel cale a boca! Eu vou te bater.

Ai foi que Gabiel falou mais alto:
- Tia você tá podre. Nossa, que podre você. Não gosto mais de você.

Morrendo de vergonha, porque todos olhavam para a cena, Márcia tentava controlar Gabriel e nada. Até que o trem parou, para alivio da Tia, eles desceram na estação de São Caetano. Com o garoto preso a sua mão Márcia puxou para si, olhou dentro dos seus olhos e falou:

- Nunca mais faça isso. Se acontecer de novo você não sai mais comigo. E não fui eu que peidei.

O pequeno assustado começou a chorar e a abraçar a Tia e disse:

- Me desculpe Tia Márcia? Prometo que nunca mais faço isso. Mesmo que tenha sido você.


Márcia aceitou as desculpas e disse ao sobrinho:

- O que você fez foi muito feio e acontecendo de novo já sabe. Fica em casa!

Assim foram rumo ao forró onde encontraram a mãe e o pai de Gabriel. Dançaram até a madrugada do sábado, como se nada tivesse acontecido. No retorno para casa, o fato foi relatado aos pais do garoto, que indignados, brigam e avisam ao pequeno para não fazer mais aquilo e que ficaria no dia seguinte de castigo. Depois da sentença dada a Gabriel seguiram em silêncio até em casa. Chegando colocaram o garoto na cama dele para dormir. Tia Márcia, Camila e seus pais foram conversar na cozinha. O papo rendeu, a conversa rumou para o incidente do trem e não podia ser diferente, deram altas gargalhadas. E Tia Márcia antes de dormir falou aos pais da criança e a irmã:

- Esse é o nosso “Denis”

Já deitada na cama Márcia, ficou lembrando do peido e deu risada sozinha na cama. Até que adormeceu.