sábado, 15 de setembro de 2007

Bruma 19, o sonho de um paulista "baiano"

Andréa Silva

Era uma manhã de sábado tão cinzenta que nem parecia que estávamos na luminosa cidade do Salvador. Da janela da nossa sala, de onde temos o privilégio de ver um pedacinho do mar, avistamos um navio se despedindo, lentamente, das águas da Baía de Todos os Santos. O mar estava agitado, parecia enfurecido e atormentado pela ventania, bem mais intensa neste fim de inverno, período chuvoso na Bahia.

Ao ver ao longe a grandiosa embarcação, meu filho, de três anos, nos surpreendeu. Não era a primeira que ele fazia uma daquelas perguntas de criança que nunca são esquecidas.

- Mamãe, papai, aquele navio vai para o Japão, nosso barco pode ir também? – perguntou Ricardo Otávio, o nosso Tatá.

Ele já sabia que, há dois dias, o pai, um paulistano de olhos e cabelos claros, um metro e setenta e oito de altura e outros traços europeus, herança dos avós austríacos, tinha realizado um antigo sonho: comprar um barquinho à vela para navegar ao sabor do vento.

- Não filho, o nosso barco é pequeno. Por isso, não dá para ir tão longe. Mas podemos chegar até a casa da vovó, em Ilhéus.

A resposta do pai, que também se chama Ricardo, despertou em mim uma enorme vontade de entrar no tão falado barquinho. Até aquele momento eu só conhecia o veleiro por meio de fotos, exibidas no computador, pelo antigo dono ao anunciar a venda da embarcação.

Naquele sábado, durante o café da manhã, também alimentamos a nossa imaginação olhando o navio desaparecer no mar de Ondina e ouvindo o “falatório” de Ricardo Otávio, cheio de planos para os nossos passeios durante o verão. Pouco depois das oito horas da manhã, logo que parou de chover, saímos de casa. O destino era a Marina de Aratu, onde estava o Bruma 19.

Bruma é o nome da empresa, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, onde são feitos os veleiros. Na condição de novos donos, ainda vamos batizar o barquinho, o nome mais cotado até agora é FARO (Família, Ricardo, Andréa, Otávio).

Para chegar até a Marina de Aratu, encurtamos o caminho pegando a BR 324. Apesar do horário, o trânsito estava bem intenso. Caminhões e carros passavam apressados enquanto eu e os meus “Ricardos” seguíamos calmamente a trilha de uma nova conquista.

No trecho da estrada que dá acesso ao bairro de Águas Claras, metade do caminho até à marina, encontra uma blitz da Polícia Rodoviária Federal.

- Logo agora, tomara que não parem a gente! - pensei alto.

Parece que os homens de uniforme marrom, distintivo no braço direito e quepe na cabeça, me ouviram.Os dois carros que estavam na nossa frente foram parados. O nosso golzinho branco, modelo 98, emprestado pelo meu pai desde que saí de casa em Itabuna, no sul do estado, para viver na capital, cansado dos trancos e caminhos desvendados dentro de Salvador, seguiu em frente, liberado pelo apito e o gesto dos policiais.

A estrada que dá acesso à marina, conhecida como estada da base naval, é cercado de verde, pequenos trecho de reserva de mata atlântica. No caminho ficam alguns bairros que pertencem ao subúrbio ferroviário de Salvador. Uma parte de São Bartolomeu, Periperi, São João do Cabrito. As casas construídas à beira da estrada são pequenas e simples, a maioria têm vista para o mar, outras ficam cercadas de verde.

Sentado em sua cadeirinha de bebê, que mais parece um trono, adaptado ao banco de trás para garantir a segurança, nosso menino observa tudo e não pára de dizer que quer chegar logo para ver o “Baco”. O modo como chama o barco, objeto do sonho realizado pelo papai, o torna ainda mais simpático.

Por volta das nove e quarenta da manhã chegamos à Marina de Aratu. A paisagem é encantadora, mesmo num dia chuvoso. Da marina dá para ver parte da praia de Inema, além das casas e sobrados que pertencem à marinha. Uma área com a mesma estrutura de hotéis cinco estrelas. É lá que ficam hospedados os presidentes da República, quando visitam a Bahia. Pensei no privilégio do presidente Lula e da primeira dama dona Marisa passando fins de semana naquele paraíso dentro de Salvador, a quarenta quilômetros do centro da capital.

A marina de Aratu é, ao mesmo tempo, ponto de parada das embarcações com estrutura para reabastecimento de água, alimentos, combustível e um estaleiro onde os mecânicos consertam motores e outros equipamentos. Em qualquer direção, os nossos olhos só enxergam barcos, barcos e barcos. São dezenas deles, de todos os tipos e tamanhos. Lanchas, catamarãs, veleiros e a sucata de dois velhos navios que já foram usados no transporte marítimo entre Salvador e a Ilha de Itaparica.

No último galpão do estaleiro, bem num cantinho, suspenso por dois cavaletes, avistamos um veleiro branco com faixas azuis nas laterais e uma pintura que ainda brilha, mesmo com alguns anos de vida no mar. Que beleza de barquinho, eu pensei. E olha que as velas e o mastro estavam arriados. São eles que dão um charme especial a este tipo de embarcação. O Bruma também é equipado com um motor para os dias em que a natureza não permite aventuras ao mar só com ajuda do vento. O barco tem dezenove pés, o equivalente a pouco mais de cinco metros e meio de comprimento por dois e meio de largura. A capacidade é para cinco pessoas, que podem usar os espaços internos com uma cama de casal e duas de solteiro. No cok-pit, lugar onde o comandante conduz o barco, dá para improvisar mais duas camas. A embarcação tem ainda um pequeno porão para guardar mantimentos, água e combustível, mas só é possível entrar agachado.

Com o filho nos braços e de mão entrelaçada à minha, Ricardo exibe o objeto de um antigo sonho. Desejo de um paulistano que ainda menino planejou morar em Salvador e navegar pelas águas calmas da Baía.

- Meu pai ia adorar ver isso aqui. Foi por causa dele que eu me apaixonei por navegação, de tanto ouvir ele dizer que tinha vontade de comprar um barco. O velho não teve dinheiro nem saúde para isso - lembrou.

A lembrança do passado também me emocionou. Orgulhosa com a conquista de Ricardo, eu prometo comprar o champagne para ser quebrada no casco da embarcação. É assim que os marinheiros inauguram os seus barcos. Nós vamos manter a tradição e, quando o verão der o ar da graça, vamos levantar velas e mergulhar numa aventura pela Baía de Todos os Santos. Neste lugar de águas abrigadas, calmas e cristalinas, vamos aprender a confiar no mar para chegar à casa da vovó a bordo de um pequeno e aconchegante veleiro e não mais enfrentando 480 quilômetros de asfalto.

3 comentários:

Leandro Colling disse...

Muito bom o texto. Mas era para ser descrição de um lugar. Foi além, mas gostei muito

maria ísis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
maria ísis disse...

Gostei muito. As descrições da marina de aratu e do mar da Baía foram bem feitas e cheias de detalhe. No todo, a história ficou bem amarrada e produziu imagens em movimento, o que é melhor. Parabéns!