sábado, 15 de setembro de 2007

Despertar em queda

Andréa Silva

Há três dias tenho dividido à cama onde durmo com o meu filho de três anos. Não para satisfazer aqueles caprichos, bem típicos desta idade, que deixam as crianças com mania de sair do quarto delas e ir para a cama dos pais. A decisão de deixar Otávio dormir ao nosso lado foi para vencer a difícil tarefa de, finalmente, tirar a fralda descartável da vida dele.

Ainda me lembro do dia em que fui comprar um pacote de fraldas, quando ele tinha cinco meses. Nas prateleiras do supermercado, numa sessão só para bebês, eu procurava um pacote tamanho “P”. Meus olhos não foram capazes de enxergar uma única embalagem numa pilha delas, arrumadas de forma errada, com a identificação escondida. Um funcionário que estava por perto notou a minha angústia e tentou ajudar. Depois de uma rápida conversa, ele me deixou preocupada, impressionado com o fato do meu filho ainda usar fralda tamanho pequeno.

Não tive ânimo para responder ao funcionário do supermercado. Fiquei desapontada. Meu filho nasceu saudável, com cerca de três quilos. Naquela fase, ele era um bebê magrinho, enxuto, dizia minha mãe. Mas ele ainda não tinha conhecido nenhum outro alimento a não ser o leite materno.

A minha sabedoria de mãe me encheu de força. Peguei o pacote de fralda da mão do rapaz, apenas agradeci e fui para o caixa. Ele não sabia o que estava dizendo, pensei, não deve entender nada de bebês! Nem deve entender do produto. Produtos que as mães compram naquele setor com cheirinho de neném.

Três anos se passaram e o meu “negão” – é assim que o chamo, um dos dez apelidos que tenho mania de inventar. E olha que ele é branquinho, puxou ao pai, mas nasceu na Bahia e tem o nosso sangue negro nas veias - está crescido, um rapazinho que passou das fraldas p, m, g, xg, xxg, hoje, nem um modelo cabe mais no bumbum gorducho e branquelo.

Adotei a estratégia de dormir com ele para pelo menos duas vezes por noite ir ao banheiro com o “nego” no colo. Ele nem abre os olhos para fazer o tal xixi. Em pé, no vaso sanitário, encosta a cabeça em meu ombro, como se estivesse na cama. Foi assim na madrugada passada.

Depois de uma noite de sono interrompido várias vezes, acordei num cantinho da cama onde mal cabe dois e agora é ocupada por três. Eram seis da manhã quando olhei para o relógio de parede. Voltei a cochilar, esse foi o meu erro. De repente, levei um sopapo de pernas e quando percebi estava no chão em cima de dois travesseiros que foram colocados ali para proteger o filho e não a mãe, no caso de uma queda.

“Estou de bem com a vida!”, pensei rindo da situação. Levantei do chão e percebi que não tinha mais tempo para nada por causa da aula marcada para às 8h. Encarei uma rápida ducha para despertar, a primeira roupa que vi no armário se tornou a melhor para esta
manhã de sábado. Nem deu tempo tomar café em casa. Despedi-me com beijos, uns apertos no maridão enquanto comia uma banana, fonte de potássio para começar o dia. No carro, lembrei de uma padaria perto da faculdade que serve café a preço acessível, dá para comer bem por R$ 3. Achei estacionamento fácil por causa do horário, lugar para sentar também tinha para escolher. Pedi uma média com leite e um pãozinho. Tive vontade de comer um sonho que o padeiro acabava de colocar na vitrine. Lembrei da minha juventude, tardes e mais tardes sentindo o cheirinho do sonho com goiabada, especialidade da minha mãe que fazia doces por encomenda para ajudar na renda de casa. Fiquei só no pãozinho, meu medo de engordar anda aguçado. E a orientação do endocrinologista é não exagerar nos carboidratos.

Da padaria até a faculdade são pouco mais de 500 metros. Tive dúvida se a aula era no prédio central. Como encontrei vaga na frente do edifício, preferi seguir o meu instinto. Tinha imaginado que a aula seria no laboratório do terceiro andar.

Fui a primeira a chegar, só o professor conseguiu ser mais pontual do que eu. Leandro já estava na sala lendo os nossos textos no blog. É com ele que estamos descobrindo a deliciosa narrativa do jornalismo literário. Tão bacana que até consigo transformar as primeiras horas deste dia numa historinha simpática, acho eu.

2 comentários:

Leandro Colling disse...

Muito bom. Boa dose de percepção e dados concretos

Caty Neris disse...

adorei Andréa..
de fato você consegui transformar um dia simples numa história "saborosa", assim como o sonho, de se ler.
Arysa