sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Sexo das águas

Maria Isis
Há 160 km da capital, entre coxas de areia cada vez mais salientes, o Rio Itariri lambe o mar do Oceano Atlântico. Beijo lascivo, demorado. Durante a vazante, é possível atravessar a foz a pé, com a água dando na cintura. De uma margem à outra, o leito alarga-se. Pernas abertas vertendo a água escura que pede passagem ao solo sedimentar e movediço. Dez segundos parado sobre ele e seus pés seriam engolidos à altura dos tornozelos.

Caminha-se por poças e com cuidado. A maré baixa revela mistérios afogados pelas ondas, soterrados pela superfície lodosa. Os pés correm sobre pegadas profundas e minúsculos orifícios de onde entram e saem ganhamuns, aratus, caranguejos e siris. Andam de lado, param desconfiados e se reproduzem mangue adentro.

A Barra do Itariri é hermafrodita, isso não é mistério. O gosto de seus sexos é salgado-doce feito lágrima ou qualquer fluido corporal. O cheiro do seu corpo exala maresia. Correnteza de rio, onda de mar.

Nada se perde. A moqueca de aratu vem empacotada na folha da palmeira e camarões vêm espetados na talisca do coqueiro. Mãos de crianças mirradas, que parecem ter quatro ou cinco anos, mas, na verdade, têm dez... doze... envolvem, trêmulas, vasilhames de plástico. Vendem sobre a areia quente.

Do lado de cá, a superfície já não é mais plana e reta como a praia. Os grãos da areia formam arranjos similares à textura de uma caixa de ovos, com agudas ondulações. É possível sentir um vento gelado de foz soprando de todos os lados. Vento denso carregado de salitre e desejo. Vuuuuuuuuuuuuffff, zumbe nos ouvidos.

Atrás das dunas, na parte oposta ao mar agitado, escoa um riacho raso e sinuoso. Trecho do Itariri que corre sobre os bancos de areia. Muito é lama. As pedras fincadas, como se cansadas, criam limo. A erupção das raízes, nas bordas, faz da caminhada um mistério de matizes raras. São siris de patas amarelo-florescente e carapaças vermelho-sangue. Dunas douradas, folhas verde-pouco-maduro. Cores incomuns para o distinto cinza escuro do mangue.

É inverno. A natureza chove. Pingos de garoa flutuam, mas os de tempestade, costumam açoitar os ombros. Pingos grossos se lançam, errantes. Querem cumprir a promessa de chegar para o encontro. Quando mar e rio terão um orgasmo embalado pelas ondas da maré cheia.

***
Pessoal, esse lugar foi meu destino no feriado da semana passada. Aproveito para deixar a dica do camping onde ancorei minha barraca. A divulgação é gratuita e vale a boa hospedagem, o preço cômodo da diária, a facilidade de acesso (apesar de um pequeno trecho de 6km com as rodas do carro no barro). Cheguem mais perto em:
www.campingitariri.com.br

[foto: flickr.com]

3 comentários:

Thai Bittencourt disse...

adorei a baixaria..rsrs...falando sério, ta muito legal o texto!!!bjs

Caty Neris disse...

perfeito Maria!
depois dessa publicidade, aceito a sugestão!
arysa

Gabriela Marotta disse...

Lindo Maria, adorei!!
ê vontade de ser açoitada pelos pingos da tempestade enquanto presencio o sexo das águas... =]
bjim