sábado, 22 de setembro de 2007

Sorte

por Pedro Levindo

O Hospital Roberto Santos, público, aparenta, do lado de fora, uma certa calmaria. O prédio é bem-pintado, as instalações são limpas. A Unidade de Tratamento Intensivo é considerada uma das mais modernas da cidade. No anexo onde funciona a emergência, a situação não é muito diferente. Mas essa tranqüilidade acaba quando uma das portas é aberta. Apenas uma fresta basta para se ter idéia do mundo diferente que existe lá dentro. A idéia cristaliza-se na cabeça com os relatos de quem tem a sorte – ou o azar – de sair de lá.

Dona Robéria foi uma dessas pessoas. Usava uma blusa laranja com listras brancas, uma saia preta e uma jaqueta jeans - o frio lá dentro é grande. Saiu amparada, pois sua locomoção, devido aos problemas na vesícula e ao estado debilitado de saúde em geral, está comprometida. Ela anda com a ajuda de uma vizinha, que foi quem a levou ao hospital 18 dias atrás. Foi esse o tempo que a senhora de meia-idade precisou ficar internada para descobrir que a cirurgia de retirada da vesícula, necessária em seu caso, vai ter de ficar para daí a três meses, em dezembro apenas.

A capacidade de atendimento da emergência do hospital é de 75 pacientes por dia. Essa semana, contudo, esse número tem chegado facilmente ao dobro. Os médicos priorizam, naturalmente, os casos mais graves. Dona Robéria, com o semblante cansado, visivelmente debilitada, não teve a sorte de ter o seu caso classificado como grave ou urgente.

Seu estado de ânimo não aparenta revolta, transmite apenas resignação. A revolta ficou a cargo da vizinha e amiga Miriam, que a ajudava a andar. Vestida de forma simples, com um vestido estampado - tão caro a senhora de sua idade - ela mirou a câmera por trás dos óculos grossos e de haste escura e, com o olhar preocupado, disse para a equipe de TV que elas voltariam daí a três meses. “Isso se ela estiver viva até lá”. “Estou indo pra casa, mas tenho certeza que amanhã vou ter que voltar”, completou. Apesar dos pesares, Dona Robéria parece otimista. Resumiu-se, no entanto, a dizer “Vou estar”. Isso, como diz o dito popular, só Deus sabe.

Para quem acredita no Todo-Poderoso, será um caso para Sua providência. Para quem não crê, ou já conhece os meandros da emergência do Hospital Roberto Santos, será apenas mais um caso, onde fica a questão, um tanto quanto prosaica: será que Dona Robéria, daqui a três meses terá de novo a sorte de voltar, e sair, viva, de lá?

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