terça-feira, 11 de setembro de 2007

Um dia de estagiária, secretária, ouvinte e dinda

Por Arysa Souza

O meu despertador biológico é mais preciso do que gostaria: não atrasa. A sua exatidão desperta-me diariamente às 6h20. Hoje não foi diferente. Os meus sininhos internos fizeram-me acordar para mais uma segunda-feira. O dia estava chuvoso, mas a tarde seguiria com alguns raios de sol e o incômodo por estar com aquela blusa de mangas compridas era quase previsível. Acabei optando por vestir duas blusas. O suficiente para me proteger do frio e prático o bastante para que eu pudesse retirar a mais calorenta e me refrescar. Eu estava certa. No caminho do trabalho o céu livrou-se das nuvens cinzas. Continuei vestida com a armação dupla. O azul celestial continuava, mas a sala gélida do trabalho me esperava.

Como de costume, cheguei cedo, às 7h30, e encontrei a sala vazia. Nas segundas quase nunca aproveito os 30 minutos que me sobram para tirar um cochilo. Tinha muito a fazer, sobretudo quando recebi a notícia de que a secretária iria faltar. Ou seja, hoje eu tinha a difícil tarefa de multiplicar as horas. Comecei vasculhando os oito jornais, acumulados devido ao feriado. Em busca de notas que citassem os cliente da empresa, eu me perdia em algumas notícias sanguinárias do final de semana “prolongado” e, certamente, estaria deixando passar algo para clipar.

Em meio a recortes, o telefone tocava histericamente. “É da clínica da cabeça?”, interrompeu-me uma moça do outro lado da linha. “Não senhora, somos uma empresa de assessoria de imprensa.” Senti vontade de completar aquele discurso com uma conjunção adversativa: “mas estamos precisando de uma”. Certamente a secretária precisava mais do que eu. Não conclui o pensamento, mas passei parte do dia pensando na possibilidade de procurar um psicólogo.

O dia não se delongou, mas me reparti em mais de uma Arysa. O tempo passou rápido. Isso geralmente acontece quando mais precisamos dele. No almoço, me dividi entre algumas mordidas de cachorro quente e clicadas no mouse. Eu aproveitava cada tic-tac do relógio, que parecia cada vez mais veloz e massivo, na tentativa de cumprir todas as pendências. Precisaria sair mais cedo para visitar meu afilhado, que nasceu ontem. A agonia conseguiu não só me dominar, mas tudo ao meu redor parecia tomado por aquela ânsia. Pela tarde, as tarefas ficaram escassas e a aflição me consumia de tal forma a atrasar os ponteiros do relógio. O “alento” me faltava. Sim, é preciso muita inspiração para uma mentira se tornar verdade. Eu precisava escrever sobre um plano de saúde, que ampliou algumas de suas infinitas taxas, com a difícil tarefa de que isto parecesse uma vantagem para seus clientes. Com muita sutileza tentei ser clara. Mas, acho que conseguirei enganar alguns otários. A consciência dói.

Essa tarefa conseguiu me roubar ética e algumas horas. Saí do trabalho às 16h com destino a maternidade do Santo Amaro. No ponto desenhei mentalmente algumas faces. Estava curiosa para conhecer o meu afilhado. Enquanto eu viajava, um inconveniente obstruiu meus pensamentos com um olhar nojento e tarado. Do meu rosto de menina inocente saiu um inesperado palavrão, encaminhando o cidadão desocupado àquele lugar. Passado o desconforto, chegou o ônibus. Para variar, a minha antena paranóica (não parabólica) atraiu um maluco dentro do transporte. Ele falava incessantemente sobre a lerdeza dos baianos. Eu apenas concordava sacudindo a cabeça, mesmo sem entender nenhum daqueles argumentos. Logo cheguei ao hospital.

Davi não era como eu pensava. Ele ainda tinha aquela cara de nada como todos os recém-nascidos. Choro baixo, bochecha vermelha. Magro, cândido, pequeno. A vontade que eu tinha era de dar um abraço forte, do tamanho da minha euforia. Apenas olhei e esbocei os sábados no parque, as partidas de futebol, os presentes, as primeiras palavras. Eu tinha pouco tempo ali. Tive de sair e brinquei pedindo a benção a ele. “A bença da dinda, Davi”, fiz todos rirem ao meu redor. Logo, a minha volta, estava uma sala lotada.. Entrei na aula de Redação 3 e todos escreviam sobre o seu dia. Não tinha nenhum computador vago para mim. O meu exercício ficaria para o dia seguinte, hoje. Agora eu revivo o meu dia anterior e finjo que escrevo como se fosse ontem. Neste instante termina a minha segunda-feira.

4 comentários:

Paloma Batista disse...

Adorei o seu texto!!!
Muito bom!!!!!

Alice Coelho disse...

Arysa, seu texto ficou mesmo muito bom.

Leandro Colling disse...

Bom texto, revelando talento para o jornalismo literário. siga, mas não se contente

Helane Aragão disse...

Adorei o texto, mas cadê a foto do afilhado? Fiquyei curiosa para ver como é um bebê com cara de nada... hahaha

Gostei mesmo. Muito bom!