domingo, 23 de setembro de 2007

Infância sobre mesa

Por Isis Santana

Na toalha branca com detalhes de frutas coloridas, em meio a farelos de pão do café da manhã e manchas do molho do macarrão servido no almoço, uma pequena lata de doce de leite. A iguaria foi feita de improviso, através do cozimento, em banho-maria, de uma lata de leite condensado.- Quer mais moreninho ou mais branquinho?, pergunta, Ana, a dona da casa, para fazê-lo de acordo com o gosto da visita. É só uma questão de tempo. Se cozinhar mais, mais moreno; menos, clarinho.
Sentadas em volta da mesa retangular da cozinha, Ana e Terezinha (amigas de mais de duas décadas) jogam suas histórias, servem-nas como se servissem as coxinhas e os doces que são capazes de fazer. Promovem uma festa de criança, sem ocultar os traumas inevitáveis da fase.
Conheceram-se numa manhã em que Terezinha bateu à porta da casa de Ana, a seis quadras da sua própria, para vender roupas, o que fazia diariamente pela vizinhança. Com um semblante sisudo, que pouco combinava com sua aparência de serenidade, Ana, uma matrona corpulenta de estatura baixa, tez alva e olhos castanhos contornados como os de uma indiazinha sapeca, recebeu-a sem esconder o mau humor, e tampouco a barriga da gestação avançada.
- O que você quer?
Vendedores na porta de sua casa a irritam.
- Não preciso vender, não, mas quero saber o que acontece pra esse mau humor. Você tá com a graça de Deus aí, e tá desse jeito. Podemo conversar se quiser.
- Então entra pra tomar um café podre, disse Ana, risonha, pelo gracejo que ousara, e já amolecida.Ana abriu a porta de sua casa e, senão comprou nada naquela dia, compraria em muitas outras oportunidades. Era apenas o início de uma madura amizade, que ganha mais um encontro nesta tarde de domingo outonal, ensolarado, mas não quente.

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