segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Novela do Buzú

Novela do Buzú

Carlos Jose Costa Correia

É, felizmente chegou à hora de eu ir embora para casa. Precisamente para minha cama. Não agüentava mais aquele dia chato, cheio de tarefas no trabalho e, pior ainda esperar a aula chata de Ética que finalmente terminou. Mas, enfim, ainda não era o fim daquele dia. Eu ainda tinha que ir ao ponto de ônibus e claro, esperar um pouquinho, ou melhor, muito, até meu buzú finalmente chegar.
E não é que ele chega! Agora todo mundo já viu e imediatamente todos correm para entrar por uma entrada estreita, que acho que mal dá para uma pessoa naquele desespero. Afinal depois de um dia cheio às 10 da noite, no mínimo você quer ir pra casa sentado.
A novela do buzú começa logo na entrada, quando na correria para entrar de uma só vez uma mulher cheia de sacolas, gordinha e baixinha grita:

- Uai! Quer me derrubar, pra que isso! Pede licença!
Como se ela fosse educada ou tivesse cobrando um bom comportamento. Mas, na verdade a mulher que reclamara, estudante da mesma Faculdade de todos no ponto, se irritou porque um cara passou na sua frente e ela perdia a vez de ser a primeira a entrar no buzú. Imagina o alívio de ser o primeiro a entrar no buzú. Você ter a certeza de que vai viajar sentado até o seu destino. Se for janela, oh glória, não vai ter ninguém se ralando ou esbarrando em você, porque claro, daqui há uns dois ou três pontos ele vai entupir. Sem falar no cochilo básico que agente dá que é uma maravilha.
Então, voltando à entrada do ônibus, eu estava atrás de umas cinco ou seis pessoas, já que o filho da... mãe, do motorista parou bem mas à frente de onde eu dera a mão. Quando cheguei perto da catraca havia uma menina morena, de cabelos encaracolados, com aquelas bolsas no braço direito que você automaticamente pensa, nossa ela deve levar um computador aí dentro. Quando ela colocou o cartão no leitor ouviu o barulho emitido pelo aparelho e atravessou, deixando o cobrador em estado de desespero:

- Olha seu cartão ta esgotado. – disse ele preocupado.
- Eu sei! Só tinha uma passagem. – replicou ela parecendo ter certeza do que estava dizendo.
- Não filha, eu to dizendo que você passou e seu cartão e ele já estava zerado!
- Como assim?! Eu mesma vi quando esse negócio permitiu a minha passagem, ta querendo me tirar como otária é?
- Não você é que deve ta querendo me tirar como otário...
- Se você tivesse prestando atenção no que você estava fazendo você veria que eu estou certa.
Nesse intervalo eu estava passando e não gostei nada, pois olhei pra traz e vi que a única poltrona que restava a menina do cartão acabava de sentar. E a discussão continuou:
- Ei, quer dizer que você não vai me pagar a passagem não né? – Perguntou ele já sabendo da resposta com um tom mais grave na voz.
- Agora! Eu já lhe disse que o meu cartão estava com uma passagem. Nesse mundo só tem esperto, só que besta eu não sou. – Respondeu com um tom de voz à altura do cobrador.
- Besta eu sei que você não é mesmo. Mas dois reais né minha vida não. Só podia ser essa raça de estudante.
- Raça não. Que eu não sou cachorro. Ta pensando o que? Ah meu filho, na minha casa todo mundo estuda, até meu cachorro e ele estuda pra ser cobrador de ônibus!
- Olhe você me respeite! – Ameaçou o cobrador tentando se levantar quando um rapaz tentou apaziguar a situação e até que ele conseguiu.
Acredite, essa discussão durou uns três pontos após da faculdade e o buzú continuava a encher. Eu um pouco mais à frente, com meu guarda-chuva, pra não dizer guarda-sol de tão grande que é, e com minha pasta pesada que ninguém se ofereceu pra segurar. Ôh raiva que me dá! Que custa? Afinal, quando estou sentado sempre me ofereço para segurar. Mas, enfim queria mesmo era chegar em casa e deitar na minha cama.
Ao chegar ao ponto do Farol da Barra, sobe um homem baixo, aparentando ter uns 40 anos, gordinho de óculos, com o bigode do estilo “Seu Barriga” de Chaves, com um cachorro preto dentro de um saco, daqueles bem grandes do Bompreço, com a cabeça pra fora e o resto do corpo pra dentro. Ah e com um guarda-chuva do tamanho do meu. O coitado olhou pra um, olhou pra outro até que um rapaz segurou seu guarda-chuva. Mas ninguém se mobilizou pra lhe dar um lugar. Então ele se agachou e quase sentado apoiou o cachorro no piso do ônibus. Após duas ou três poltronas tinham duas mulheres que riam baixo já em vê-lo com o animal dentro de um saco de pé. Quando ele agachou uma delas deu uma risada que parecia uma hiena no cio. Fazendo automaticamente quase todos no ônibus sorrirem também, inclusive eu. Não demorou muito e uma menina que estava com o namorado cedeu o lugar para o senhor com seu cachorro e sentou-se no colo do namorado.
Junto
Bom depois do barraco do cobrador e da menina da bolsa gigante, até que a história do homem deu um tom no mínimo sarcástico a o buzú que não parava de encher.
Já se passava quase meia-hora e meu ponto estava próximo. Finalmente iria descer daquele G.O.L. (Grande Ônibus Lotado). Então o sinal fechou e de dentro do buzú pude ver o aglomerado de pessoas no ponto, que já se preparava para dar a mão e tentar subir já que naquela a hora ele já estava lotado. O buzú é como coração de mãe, sempre cabe mais um, dois, três... O próximo ponto era o meu e depois de um dia exaustivo ainda tive de aturar uma velhinha que aparentava ter uns 50 anos, usava óculos, de pele clara, cabelos grisalhos e meio corcunda que anunciou ter perdido a carteira no ônibus:

- Motorista eu perdi minha carteira – Disse ela irritada.
- Senhora? – Perguntou ele, parecendo não ter ouvido
- Lembra quando eu subi, te mostrei o passe e agora ela não ta mais aqui na bolsa. Ela deve ter caído ou alguém me roubou.
Neste momento ela já estava de pé e empatava todos na saída do ônibus. Nós que íamos descer pedíamos licença e ela não saia do lugar.
- Senhora se alguém abrisse a bolsa da senhora aí sentada, a senhora veria... – disse uma passageira.
- Minha filha se estou dizendo é porque é verdade. E daqui ninguém desce até eu achar minha carteira!
Imediatamente todos começaram a resmungar no ônibus. A mesma passageira tentou outra vez:
- Senhora, já olhou direitinho?
- Olhe minha filha eu deixei a carteira aqui. – Disse ela abrindo a bolsa e então:
- Ah! Olha que cabeça a minha, ela esta aqui mesmo – Disse toda sem graça
- Ta doida tia?! – gritou um lá no fundão.
Ela se desculpou com o motorista e o pessoal e saltou totalmente sem graça. Então um passageiro disse ao motorista:
- Como é que vocês agüentam?
- Olhe velho nesse buzu tudo é passageiro.

Um comentário:

Márcia Barreto disse...

Vc foi fabuloso. Me senti dentro desse bus. Mas ainda bem q não estava. É uma verdadeira aventura o retorno p/ casa. Boa sorte sempre!
BJS!