quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Intolerância

Leandro Colling

Falar dos alunos. A conversa em torno do tema preferido entre os professores foi interrompida na tarde do dia 15 de março, quando Leandro Colling e Walter Garcia estavam na pequena sala de professores, da Faculdade Social da Bahia, e foram surpreendidos com a entrada uma mulher. Não parecia ser uma das alunas chatas que insistem em querer conversar com os professores justamente nos seus horários de folga. Ela pediu licença. Dizia ser representante de uma empresa que “divulga a saúde para as pessoas”. Queria vender livros de automedicação e Walter, um simpático senhor alto, meio gordo e bonachão, sempre vestido com camisetas meio surradas e folgadas, disse, cal-ma-men-te:

- Me desculpe, mas eu não estou interessado. Eu vou ao médico quando preciso.

A segunda frase saiu em um tom meio irônico, com um sorriso no canto da boca e um olhar cúmplice dirigido a Leandro. A mulher, que usava um daqueles conjuntinhos creme, preferidos pelas senhoras respeitáveis freqüentadoras dos cultos dominicais, logo demonstrou ser uma destas vendedoras de call center programadas para não desistir nunca. Insistiu na oferta e alegou ter informações úteis. Ele respirou fundo, provocou um ruído chato típico daquelas cadeiras giratórias com estofado vermelho distribuídas ao redor da mesa central, impostou ainda mais a sua voz já grave e continuou:

- Estou sendo educado contigo. Vou repetir: eu não estou interessado.

A mulher percebeu que não venderia nada ao Walter e passou a abordar Leandro diretamente. Talvez imaginasse que seria mais fácil convencer o loiro magrinho, sempre confundido com alunos da faculdade por usar, via de regra, camiseta, calça jeans e o mesmo tênis Adidas verde desbotado. Ela começou a mostrar os livros, abriu vários deles sobre a mesa creme. Sem dar muita atenção, Leandro disse que não estava interessado. Ela parece finalmente entender que tinha entrado na sala errada e começou a falar em Deus. Como ambos continuaram sem dar atenção, ela se despediu:

- Que Deus o abençoe!

Leandro decidiu que era a hora de sacar aquela frase que sempre quis usar desde o dia em que leu no jornal A Tarde que uma mãe de santo havia dito algo parecido em resposta para um pastor de uma igreja evangélica em pleno centro de Salvador naquela confusão da Avenida Sete com dezenas de meninos gritando Ó pai ó por três real.

- E os orixás também! – disse Leandro, pausadamente e com o semblante sério.

- Só Deus - replicou ela, rapidamente.

- Respeite as crenças alheias e eu respeito a sua! – respondeu Leandro, já um pouquinho irritado com a confirmação de todas as suas impressões sobre aquela mulher de cabelo escovado (seria uma escova progressiva?) que interrompeu o seu agradável bate-papo com o colega.

- Tudo bem, fica com Deus - insistiu ela.

- E com Yemanjá também! – retrucou Leandro

- Não, Yemanjá não! – rebateu ela.

A partir daí, Leandro, rosto quase tão vermelho quanto a sua camiseta preferida das quartas-feiras, perdeu a paciência e atacou.

- Ou a senhora sai imediatamente desta sala ou vou denunciá-la por discriminação religiosa!

Ela percebeu que não poderia brincar com o assunto. Deveria ter lido a mesma matéria do jornal A Tarde pelas mãos trêmulas de um pastor esbravejando na Catedral da Fé.

- O senhor me desculpa?

- Só se você sumir da minha frente – disse Leandro, quase aos berros.

Ela se dirigiu à porta, fez um sinal positivo e, bem baixinho, quase imperceptível, disse ainda antes de sair:

- Fica com Deus.

7 comentários:

VouParaLua disse...

ironia típica de walter!
diálogo divertido! gostei bastante...apesar de achar que rola uma "ficção" ai neste meio...
:)

Leandro Colling disse...

não tem NADA de ficção neste texto. isso é uma calúnia!!!

Alice Coelho disse...

Leandro, isso é para gente melhorar o texto é? rs

Reinaldo Oliveira disse...

Leandro.
adorei o texto e senti o cunho literário no mesmo.
vou tentar imprimir essas idéias aos meus.

Daphne Carrera disse...

Concordo com Arysa em relação a FICÇÃO...não consigo imaginar seu diálogo com a mulher da saúde e muito menos as respostas que você deu a ela. Fale sério, você sempre quis falar isso a alguém e aproveitou para fazer isso no texto!!!

HAHÁ te peguei!!!

maria ísis disse...

Fim de tarde, aula de Mídia 2. Entre um conversa e outra, Walter Garcia senta ao meu lado para ler o texto que tenho exposto na tela. Com um sorriso discreto, acompanha calado até o final.

- E então, Walter?
- Não é ficção. É tudo real. - responde.


E, então? Em Walter, vocês acreditam??

Helane Aragão disse...

Estou indignada com este texto por dois motivos:

1) Ninguém bateu neste encosto. Podia até ser com uma bíblia, não faria mal.

2)"Leandro decidiu que era a hora de sacar aquela frase que sempre quis usar desde o dia em que leu no jornal A Tarde que uma mãe de santo havia dito algo parecido em resposta para um pastor de uma igreja evangélica em pleno centro de Salvador naquela confusão da Avenida Sete com dezenas de meninos gritando Ó pai ó por três real." ... SEM NENHUMA VÍRGULA!!! Eu morro de inveja por não conseguir fazer isso... Excelente!