quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Artimanhas infantis

Alice Coelho

Pensava em como convencer a tia a deixá-la ficar. Já tinha percebido que no mundo dos adultos tudo é mais complicado: uns dias não querem, outros não podem, outros criança não entra, enfim, ela queria só um pouco de atenção e aconchego para matar a saudade. Sabia que, se fizesse a fatídica pergunta, correria o risco de ouvir um "sim, estou ocupada". Então a estratégia tinha de ser outra: Vim ficar com você, te fazer companhia.

A tia que não agüenta um dengo de suas sobrinhas, tão prontamente recebe o carinho, abraçou, beijou, fez cócegas. Emily não parava de dar risada. Naquele domingo monótono, ela tinha que encontrar um espaço para ser feliz. Daí então a consciência apertou e teve que soltar a pergunta que o pai a mandou fazer antes de sair de casa.

-Tia, meu pai disse prá eu perguntar se a senhora estava ocupada", disse ela sorrateiramente.

- Agora não meu amor, responde a tia, já prevenindo que a festa não duraria tanto tempo.

Gostando do aconchego, a menina de 6 anos percebeu que as coisas podiam ficar melhores. E resolveu sugerir de forma bem sutil que ela e a tia assistissem a um filme infantil.

- Tia, eu tenho tanto filme lá em casa. A senhora não quer assistir o filme do Pluto, não?

Na verdade, quem estava ansiosa por re-reassistir o Pluto era a própria. Sim, assistir de novo e de novo, porque ela , como faz com todos os filmes, assiste e reassiste e assiste novamente para não perder o costume.

A tia resolve ceder.

- Tudo bem meu amor, vá buscar seu filme.

Em instantes, com a cara mais moleca do mundo, volta com o DVD na mão. A tia coloca o filme e sai em direção à cozinha. Percebendo que ia sair algo de bom, a menina sai atrás da tia feito sombra. De repente, a figura feminina que seguia a sua frente simbolizou comidas diferentes, balas, refrigerantes e doces. Já pensando como ia pedir, esboça um sorriso maroto e pergunta o que a tia está bebendo. Não é preciso falar mais nada. Pedido entendido.

- Só não pode beber gelado. Espera um pouco, ok?

Para uma criança ficar feliz coisas simples bastam. Um filme bobo, um copo de refrigerante, seguido de balas e doces. Isso é suficiente para que a menina se sinta no céu. E aí resolve compensar a tia. Pensou em fazer uma carta, daquelas cheias de desenho. E fez. Mas isso não bastou. Fez outra e mais outra. Tudo para Emily não pode ser só um. Se for um só não tem graça.

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