quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Primeira e última vez

Por Arysa Souza


O convite inicialmente era sair para dançar forró. Não era dos gêneros musicais mais agradáveis para minha fase rebelde, roqueira e do mal. Mas, nada como um sábado ocioso e uma cortesia sedutora, regada a licor free, para me fazer repentinamente deixar de lado o disparate de dançar um xote. O apelo partiu de um amigo, Matheus, que conseguiu convencer a minha gangue. Vestindo roupas pretas, totalmente artificiais para aquelas faces angelicais, estavam, além de mim, três amigas: Bárbara, Rosana e Flávia. Conseguimos despertar alguns olhares e possíveis indagações. "O que essas loucas fazem aqui?". Bárbara respondia aqueles pensamentos repetindo euforicamente:

- Hoje vamos ficar muito doidas!

Eu não tinha certeza do que ela falara, mas seria divertido presenciar a bebedeira compulsiva. As outras pareciam certas da loucura. Flávia, a ruiva, faz o tipo "topa tudo", e seguramente aceitaria. É o esteriótipo da gostosona, o sonho de consumo de muitos homens. Rosana ficaria na dúvida, mas sua personalidade facilmente corrompida a faria participar do caos. Os cabelos loiríssimos, quase brancos e as pernas bem moldadas lhe conferem o clichê: cara de anjo, corpo de mulher. Já Bárbara é daquelas que uma conversa rápida logo denuncia a menina-porra-louca. Tem madeixa também avermelhada, pele alva e foi a sua voz macia que propôs a insanidade. Eu, em mais um dos meus jargões, permanecia indecisa:

-Talvez...

Logo a dúvida foi surpreendida por uma garrafa de licor de jenipapo. Estava muito doce e tinha aparência de água barrenta. Uma...duas...três... As garrafas multiplicaram-se e a sanidade aos poucos deu lugar a crises intermináveis de gargalhada.

- Vou me urinar! - Flávia antecipava a tragédia já freqüente.

- Eu também!- disse Bárbara já com uma "água" fluindo entre as pernas.

Eu e Rosana apenas repreendíamos aquela cena tosca e vergonhosa. Ainda nos restava um mínimo de consciência e continência (se é que existe oposto de incontinência). Em meio aquela arena abarrotada de casais grudados ao som daquela música estranha, o meu celular tocava. Foi ignorado até eu pegá-lo para conferir o horário. Tocou novamente, e do outro lado, mais um convite atraente. Dois amigos nossos, Leandro e Marcelo, nos chamava agora para uma festa particular:

-Cachaça e outras coisas mais! – falou Leandro.

Lá descobrimos que as “outras coisas” estavam inseridas num tubo transparente. Aquilo cheirava bem e o spray denunciava que o líquido misterioso sairia dali. Não demorou muito para que Flávia e Bárbara desvendassem o enigma. Com uma toalha na mão, elas molhavam compulsivamente o pano e levavam até a boca. Eu e Rosana demoramos um pouco para perceber e para tomar coragem de experimentar o tão falado Lança Perfume. Os movimentos ficaram lentos e os sons eram irritantes, o meu tímpano parecia explodir. Era aquilo que tanto usavam no Carnaval? Se as poucas falas que havia naquele momento eram insuportáveis aos meus ouvidos, eu não queria nunca ter a sensação de usar aquilo perto de um trio elétrico! O efeito daquilo é meio psicodélico. Eu apenas abaixei a cabeça e esperei o fim. Preferi continuar com as doses de vodka, mas as outras pareciam ter adorado o brinquedinho novo. Já os meninos dividiam-se entre goles, sugar a fragrância e tragos na marihuana.

A mistura proposital que fizemos na nossa primeira noite de loucura trouxe alguns resultados. Bárbara discutia sozinha idéias comunistas. Flávia ficou hiperativa, andava de um lado para o outro cambaleando. Rosana gargalhava. Eu acabei dormindo. Aquele dia terminou em sonhos. Sobrou apenas a afirmação de praxe: “é a primeira e última vez”.

2 comentários:

Helane Aragão disse...

Rapaz, fiquei doidona só em ler seu texto! Que insanidade e o texto está bem escrito. O detalhe dos "sons irritantes" foi perfeito! Não sei como o povo gosta desta sensação.

Paloma Batista disse...

Como sempre, adorei seu texto. Muito bom mesmo!