segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Caso de saúde pública

Márcia Barreto

O vigilante usa boné, calça azul e camisa amarela. No rosto, chamam a atenção duas máscaras brancas de feltro, que davam a ele uma beleza mascarada. No movimento de abrir e fechar o portão, de ferro pintado na cor branca, o trabalhador não descuidava das máscaras sobrepostas. A todo o momento, ele ajustava a proteção que, na verdade, sintetizava uma realidade, uma denúncia. O homem negro protegia suas narinas da contaminação e do mau cheiro que estava sendo exalado. Um odor forte, oriundo de ferimentos abertos, carne podre e sangue, junto com uma mistura de gente sem tomar banho, dava o toque do ambiente. Desesperança e revolta eram os sentimentos perceptíveis nas pessoas que estavam naquele local, na manhã do dia 21 de setembro de 2007. Onde estamos? No Hospital Roberto Santos – Salvador – Bahia - Brasil.

Na frente da emergência, o cenário era confuso. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Aproximadamente 20 pessoas, entre pacientes e acompanhantes, aguardavam ansiosos o destino de parentes e amigos. Nenhuma satisfação da direção do Hospital ou da Secretaria de Saúde sobre o que era aquilo que mais parecia um pesadelo. Cenas de um campo de guerra, com muitos enfermos e poucos profissionais, espaço físico quase impossível de acolher a todos.

A porta interna da emergência não só estava fechada, como trancada. Acompanhantes e funcionários usavam máscaras. Um fedor insuportável, vindo do interior da sala trancada, denunciava que algo de errado estava acontecendo naquele local.

O destino dos enfermos que amanheceram ali era incerto. Os burburinhos eram inúmeros. Todos se queixavam das condições de tratamento dado aos pacientes, que eram as piores possíveis. Sem critério de avaliação do problema, da resistência desses enfermos, eles eram mandados para casa sem resolver o problema ou orientados a procurar outra unidade de saúde. Muitos não agüentavam andar. Eram pacientes internados há dias na esperança de uma cirurgia que não aconteceu.

Pacientes e acompanhantes saíam pelo portão - branco, de ferro -, da emergência, que era aberto pelo segurança mascarado. Pessoas que pareciam formiguinhas carregando alimento, só que essas formigas estavam carregando seus doentes.

A paciente Robéria aparentava uns 47 anos. Negra, com a cor da pele pálida quase branca - da doença, uma fisionomia triste, a dor estampada na cara. Cabelo preso em total desalinho, mal conseguia fica de pé, demonstrava dificuldade em falar, e quando conseguia, sua voz saia baixinho que quase não dava para escutar. Camisa laranja com listras branca, saia preta, jaqueta jeans, sandália de dedo – baixa, cobria aquele corpo magro, sofrido que adentrara aquela emergência em busca de Socorro!!!Socorro!!! Socorro!!!Socorro!!!Socorro!!!

Robéria era mais uma que havia sido mandada para casa sem resolver o problema. Conduzida por sua vizinha, Miriam Conceição, que tinha a indignação, a revolta e a desesperança estampada no rosto. Transtornada com aquela situação de abandono, gritava:

- Ele já está aqui há 18 dias aguardando uma cirurgia de vesícula e nada foi feito. Agora mandaram ela ir embora. Marcaram uma consulta para o dia 13 de dezembro de 2007. Isso se ela estiver viva!


Diante da indignação da vizinha e da sua situação no hospital, de total abandono. 18 quilos a menos, Robéria demonstrava otimismo, esperança e acreditava que teria seu problema resolvido.

- Vou estar viva sim! Vai dar tudo certo! Vou ficar boa! Vou resolver o meu problema!

Nesse clima de indignação Robéria era conduzida pela vizinha até o carro que a levaria para casa. Onde aguardaria a determinação de um futuro incerto.

O desespero, a indignação e a revolta na frente da emergência continuou. Sempre lotada com pacientes, acompanhantes que aguardavam ali uma posição que chegou sem muito convencimento do Secretário de Saúde. Que virtude da super lotação os pacientes estavam sendo liberados.

Maria Oliveira domestica procurou a emergência do Hospital Roberto Santos com enjôos, tontura e dores na cabeça. Saiu de lá sem resolver o problema. Recebeu orientação para buscar atendimento em outras unidades de saúde. Indignada falava:

- Para ser atendido aqui tem que ter tomado um tiro, ou facada!
Assim foi durante 1h30min de permanência naquele local. Abandono era a impressão daquele lugar, sombrio e fétido.
Difícil de imaginar gente tratando gente dessa forma

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