terça-feira, 18 de setembro de 2007

O peido no trem

Márcia Barreto
Brás para São Caetano, 17h30. Horário de pico em São Paulo. Um empurra- empurra, trem super lotado, a disputa por um lugar, não dava para mexer o pé. Era o início de uma viagem engraçada, batizada com o nome “o dia do peido de tia Márcia”.

Márcia Barreto, Gabriel Takeo e Camila Pinheiro são primos inseparáveis. Arrumadinhos, cheirosinhos e felizes, iam para o forró no dia 20 de junho de 2003 na cidade de São Caetano/SP. Pegaram o metrô na estação Itaquera, que ia para o Brás, e de lá tomaram o trem rumo a São Caetano. Ainda na estação do Brás, Márcia sugeriu carregar Gabriel, de apenas 3 anos, no colo durante a viagem até São Caetano. Ao lembrar que aquele horário seria difícil fazer a viagem sentados. O trem cheio seria um sofrimento principalmente para Gabriel. Falou Márcia ao “rapaz” Gabriel:

- Biel quando o trem chegar aqui na estação você vai no meu colo.

Ele respondeu irritado:

- Não quero que você me carregue, tia Márcia! Sou único homem e vou tomar conta de você e da minha irmã Camila.

Diante da revolta do pequeno rapaz, Márcia, Camila e as pessoas que estavam na fila acharam engraçada a tamanha irreverência do pequeno e deram risada. Isso deixou Gabriel extremamente aborrecido. Já que se considerava um homem e não queria ser tratado como criança.
Com a chegada do trem as pessoas desembarcaram. Os que estavam na fila só poderiam embarcar após todo desembarque. À proporção que as pessoas desciam do trem a esperança de surgir um lugar para acomodar o pequeno homem aumentava, o coração batia mais forte. Mas na hora do embarque veio à confirmação não tinha lugar e em fração de segundo lotou de tal forma que não dava nem para virar o pescoço. A preocupação com o pequeno Biel foi aumentando a cada passageiro que entrava no trem e as argumentações feitas por Márcia e Camila foram inúmeras.

Tentava Camila convencer o irmão de que aquela seria a melhor solução para ele:

- Biel se você não quer o colo de tia Márcia, venha para o meu. Se você for em pé vai ficar espremido. Podem pisar no seu pé e machucar.

- Venha Biel. Bi, fique no colo de tia Márcia, o trem está muito cheio e vão machucar você.

- Não quero, tia Márcia. Você é chata. Já disse que não vou.

O menino estava irredutível. Mesmo assim, Márcia insistiu várias vezes, calmamente, no intuito de convencer o garoto. Sem sucesso. Os três já dentro doquele trem abarrotado seguiram viagem. O trem sacolejava de lá, de cá. Só quem viajava próxima a janela podia desfrutar da paisagem, apesar de não ter muitas belezas naturais. Durante o trajeto a vista era de fábricas abandonadas, outras em pleno vapor, construções de casas na margem da linha do trem e em muitos trechos o cenário era de extrema pobreza. Ao olhar para baixo, Márcia viu aquele toco de gente espremido naquela multidão disputando um lugar com os demais passageiros, diga- se de passagem, todos adultos. Ele retribuía o olhar com um sorriso lindo no rosto. Uma felicidade. Para Gabriel passear com “Tia Márcia” era maravilhoso, ainda mais em companhia de sua irmã Camila. Era o trio maravilha. Eram parceiros inseparáveis. Tia Márcia por sua vez sempre paciente e amorosa, não via a hora daquela viagem chegar ao fim para tirar o pequeno daquele sofrimento. Gabriel ia curtindo a opção dele de viajar em pé no meio da multidão como um “homem grande”. O trem parou na primeira estação. As portas abriram pessoas embarcaram outras desembarcaram. O máquinista fechou as portas, deu o sinal e partiu. Depois de mais ou menos cinco minutos de viagem o trem chega na estação seguinte. Mais passageiros desembarcaram e embarcaram. O trem deu a partida. Mais uns seis minuto, já bem perto da estação de São Caetano, subiu um mau cheiro. Eis a conclusão: alguém peidou. Quando Márcia sentiu aquele fedor podre só tinha uma preocupação. O pequeno homem que, pelo tamanho, ficava na bunda das pessoas. Logo pensou a Tia, se foi um sacana desse que estar próximo a Gabriel, coitado do bichinho, está recebendo na cara. Naquela altura todos permaneciam paralisados, ninguém olhava para ninguém. Menos o garoto, que tentou mudar de lugar e não conseguiu de jeito nenhum. A raiva foi tomando conta do garoto. Quando Márcia olhou, a raiva pulava dos seus olhos do menino. Márcia num esforço enorme, pisando no pé das pessoas, se espremeu até que conseguiu pegar na mão de Gabriel e disse:

- Venha meu amor, para minha frente.

Com muita raiva, ele gritou:

- Não vou ficar perto de você. Tia Márcia você peidou aqui no trem. Você é chata.

Surpresa, Márcia tentou controlar o menino, que fala, gritava, mas não teve jeito, ele continuava gritando. Tapando o nariz com seus pequeninos dedos. Fazendo movimentos com as mãos para gerar vento e espantar o fedor do nariz. Ao lado Camila, quase sem conseguir falar de tanto dar risada, pedia para o garoto calar a boca insistentemente:

- Gabriel pare com isso. Não foi Tia Márcia que peidou. Cale a boca! Cale a boca! Biel cale a boca! Eu vou te bater.

Ai foi que Gabiel falou mais alto:
- Tia você tá podre. Nossa, que podre você. Não gosto mais de você.

Morrendo de vergonha, porque todos olhavam para a cena, Márcia tentava controlar Gabriel e nada. Até que o trem parou, para alivio da Tia, eles desceram na estação de São Caetano. Com o garoto preso a sua mão Márcia puxou para si, olhou dentro dos seus olhos e falou:

- Nunca mais faça isso. Se acontecer de novo você não sai mais comigo. E não fui eu que peidei.

O pequeno assustado começou a chorar e a abraçar a Tia e disse:

- Me desculpe Tia Márcia? Prometo que nunca mais faço isso. Mesmo que tenha sido você.


Márcia aceitou as desculpas e disse ao sobrinho:

- O que você fez foi muito feio e acontecendo de novo já sabe. Fica em casa!

Assim foram rumo ao forró onde encontraram a mãe e o pai de Gabriel. Dançaram até a madrugada do sábado, como se nada tivesse acontecido. No retorno para casa, o fato foi relatado aos pais do garoto, que indignados, brigam e avisam ao pequeno para não fazer mais aquilo e que ficaria no dia seguinte de castigo. Depois da sentença dada a Gabriel seguiram em silêncio até em casa. Chegando colocaram o garoto na cama dele para dormir. Tia Márcia, Camila e seus pais foram conversar na cozinha. O papo rendeu, a conversa rumou para o incidente do trem e não podia ser diferente, deram altas gargalhadas. E Tia Márcia antes de dormir falou aos pais da criança e a irmã:

- Esse é o nosso “Denis”

Já deitada na cama Márcia, ficou lembrando do peido e deu risada sozinha na cama. Até que adormeceu.



Um comentário:

maria ísis disse...

Cômico, Marcinha! A narração foi muito bem feita, transportou o leitor até o trem. Se quisesse, poderia descrever fisicamente as pessoas presentes na história... ficaria ainda mais interessante. Parabéns!