domingo, 16 de setembro de 2007

Sempre pode acontecer mais alguma coisa

Por Gabriela Marotta

Eram vinte horas e alguns poucos minutos quando, ao término de mais uma aula de segunda feira, fui caminhando de minha faculdade até o ponto de ônibus, esperar o único buzú que serve para eu voltar para minha casa. Tratam-se daqueles "ônibus-lenda", os que todos sabem que existe, mas poucos vêem (no horário certo, pelo menos). Lógico que eu já sabia que aquele "bendito" ia demorar e eu ia tomar o velho chá de cadeira de todos os dias.
O ponto tava abarrotado de gente ocupando, além dos quatro ou cinco banquinhos rachados, toda a aparte interna, pois o céu ameaçava chover, para enfeitar ainda mais o dia que parecia mais um exemplo de como por em prática as Leis de Murph, com direito a topadas na quina da mesa com os dedinhos dos pés e o pão cair com o lado da manteiga virado para o chão e, lógico, o clássico palavrão que vem logo em seguida, "P...que pariu!!!"
Assim que o ônibus chega, aparece aquele tanto de gente que eu não consigo entender de onde é que sai e tudo para pegar o mesmo ônibus. Pelo horário, eu já pensava comigo: “Pelo menos eu vou sentada até o meu destino”... Ô ilusão!! Aquele ônibus que parece mais um exemplo ambulante da teoria da conspiração, ou ainda como diria a minha mãe, a sucursal do inferno, havia se atrasado mais uma vez e, como não poderia deixar de ser, se encheu com todos os infelizes que tem que se servir dele nos horários antes de mim.
Entrei no ônibus. Vi a cena que já não me impressionava mais. Pessoas se esfregando nas outras tentando ir um pouco mais para frente, perto do motorista onde dizem ser o lugar que fica mais vazio, eu particularmente não acredito nisso. E só escutava:
- Licença, licença!
- Peraê motor.
-tsc...
Quando vi a situação na minha frente só pensava “quem vai ali é outro” e fiquei parada onde estava. Como dizem, fiquei “traseirando”. Pensei que se “traseirasse” meu sufoco seria outro. Mais uma vez me enganei. Durante todo o percurso da Garibaldi o ônibus só enchia e eu me vi ali, na mesma situação que tentava fugir, mas com um pequeno incomodo a mais, uma menina mais baixa que eu, com os cabelos molhados de tanto creme, ficava virando a cabeça tentando olhar os alunos de alguma escola que se sentavam no “fundão do buzú” tocando os pagodes do momento, perfumando meus braços com aquele cheiro de...de ... sei lá que cheiro era aquele.
Conformada com o sufoco, afinal já havia passado por isso antes e não tinha jeito mesmo, a viagem seguia tranqüila, se é que pode se chamar de tranqüila todo aquele empurra-empurra de pessoas cansadas e mal encaradas. O que me confortava mesmo era saber que quando chegasse a Brotas, a sucursal do inferno iria esvaziar e eu, finalmente, me sentaria. Foi o que aconteceu. Quando o ônibus chega ao final de linha de brotas e para no sinal da esquina onde logo ele viraria para seguir pela Av. D. João VI, como de supetão eu vi o cobrador se jogar no corredor do “bendito” e as poucas pessoas que restavam dentro dele se abaixarem nos bancos onde estavam. De repente, duas mãos surgem rapidamente segurando minha cabeça e quando eu já não entendia mais nada, só escuto uma voz mansa:
- Calma! Calma! Fique abaixada.
E eu, que continuava sem entender absolutamente nada, tentei em vão perguntar:
- O que está aconte...
E aquele rapaz, loiro, dos olhos azuis, bem atraente por sinal, me ordena:
- Já falei pra ficar abaixada, acho que é assalto.
-ASSALTO???? – desobediente, levantei novamente a cabeça.
-É! Mas não é aqui no ônibus não – disse o rapaz da voz mansa, bem contraditória as forças do braços, que insistiam em puxar minha cabeça para baixo.
- Meu Deus! Assalto. Eu não tenho nem um celular decente para levarem, vão me bater...Vão me matar. Eu vou morrer! Eu vou morrer! – Sussurrei para o rapaz, bem bonito diga-se de passagem.
Antes mesmo dos braços fortes e da voz mansa tentar me consolar novamente, e ainda bem que não foi preciso, porque mais um puxão daqueles, meu pescoço era torcido, ouvi alguém rindo:
-Há há ha há há. Ô cobrador, você é maluco é? Ta assustando as pessoas!! Há há há há há.
- Assustando nada ,véi. Vejo gente correndo com pedra na mão de um lado e do outro policiais com metralhadoras nas mãos e você acha que eu vou ficar aqui parado, é meu brother ? – Disse o cobrador tentando se defender.
Com a situação esclarecida - A policia havia sido chamada por causa do assalto que o supermercado perto dali havia sofrido e as pessoas correndo não passavam de pessoas assustadas iguais ao cobrador - Eu, toda desajeitada, fui tentando me recompor, ajeitando meu cabelo e mexendo meu pescoço para ver se estava tudo no lugar. Ainda tentei agradecer ao loiro do meu lado, mas o sujeito nem olhou para mim. Puxei conversa, e quando percebi que ele ia descer no ponto seguinte dei um “boa noite” ainda na esperança de que ele me respondesse, mas nem isso. Fiquei frustrada. Acho que ele não queria dar bola para a menina que queria se aproveitar da situação para paquerá-lo.
Quando finalmente chega perto o ponto onde vou soltar, levanto e vou puxar a cordinha, mas não a alcanço, tudo por conta da minha sandália que partiu e me fez tropeçar e cair por cima de uma senhora gorda cheia de sacolas que estava a poucos centímetros na minha frente. Ela conseguiu se segurar, mas eu não. E como se não bastasse a minha vergonha, após uma queda no mínimo bizarra, ainda tenho que escutar:
- Você não olha por onde anda, não? Podia ter me machucado.
- É, ainda bem que a senhora é macia – sei que foi a pior coisa que eu poderia ter dito, mas saiu, involuntariamente.
Antes mesmo que pudesse entender do que aquela senhora provavelmente iria me xingar, levantei do chão, peguei minha sandália e saí o mais rápido que pude daquela praga vermelha ambulante que é aquele ônibus. E quando quis esquecer tudo aquilo, alguém grita de dentro do ônibus:
-Mais cuidado da próxima vez, princesa.

Um comentário:

Alice Coelho disse...

Gabriela, não consegui segurar o riso quando falou que a mulher era macia. hahahaha...Adorei.